O não como forma de evolução: teimosia versus resiliência

Marcelo Alvim Scianni *
Tratamos, em um ensaio anterior, sobre a era do ego e a crença exacerbada em si mesmo, especialmente em empreendedores representantes de startups. Pois bem, e se este mesmo ser iluminado e extremamente competente (em sua própria concepção) recebe um sonoro não? Como ele se comporta? Simples: a primeira reação ao não é a construção da certeza de que o avaliador, fornecedor, o sócio, o cliente, o parceiro ou qualquer outra pessoa que tenha proferido o “não” esteja errado e até mesmo cego, uma vez que não há a menor possibilidade de se estar errado. Ou seja, ao invés de absorver o não e construir a evolução a partir dele, nega-se o fato e mantém-se o rumo das decisões já tomadas e o comportamento assumido previamente. E essa é a grande diferença entre resiliência e teimosia.
Uma das principais características de empreendedores bem-sucedidos é a resiliência. Segundo Brandão, Mahfoud e Gianordoli-Nascimento (2011), pesquisadores anglo-saxões definem resiliência como um fenômeno relacionado à resistência ao estresse em pessoas que não se abalaram em situações adversas e demonstram competência de se ajustar ao ambiente. Já pesquisadores latinos, relacionam a resiliência também aos processos de recuperação e de superação. Ou seja, a resiliência pode ser uma característica das pessoas que não se abalaram com uma situação de estresse ou mesmo daquelas pessoas que se recuperaram após terem sido afetadas pelo ambiente. E mais, a resiliência vai para além da recuperação e implica na superação do que se era, incluindo aí a noção de evolução, crescimento pessoal e o desenvolvimento de novas competências.
Ao longo dos cinco estágios de evolução de uma startup (Ideação, Validação, Tração e Escalada A e B) há vários desafios a serem superados e gates de validação fase a fase que a startup deve cumprir. Nas fases de Ideação e Validação, a startup desenvolve a ideia, o entendimento do problema e transforma esse entendimento e ideia em um MVP (Minimum Viable Product) para ser validado no mercado. Nessas duas fases, o entendimento do “não” é essencial para que haja o redirecionamento do negócio antes que a startup invista erroneamente no desenvolvimento de soluções. Na fase de implantação ou tração, serão construídas as bases para a empresa ultrapassar o chamado “vale da morte”. O aprendizado nessa fase prepara a empresa para ajustar suas deficiências e construir uma base sólida que a levará a escalar em alta velocidade. Já nas fases de escalada, o desafio do negócio é alcançar a replicabilidade de forma a crescer em um ritmo acelerado. Nas fases de tração e escalada, ignorar o “não” (vindo do mercado, dos investidores diretos ou de demais stakeholders) poderá direcionar a empresa para gastos irrecuperáveis que podem inviabilizar a escalada do negócio.
Podemos, então, considerar, a partir dos conceitos apresentados, que absorver o “não” é essencial para a evolução do profissional e da própria empresa, seja pela adaptação e ajuste de sua estratégia à realidade externa, seja pela (re)construção do negócio a partir da reflexão proporcionada pela negativa do mercado. Insistir em um direcionamento prévio desconsiderando o retorno apresentado por qualquer stakeholder vinculado à organização coloca em risco o negócio e evidencia a imaturidade do empreendedor à frente do negócio. Assim sendo, a diferença entre a teimosia e a resiliência parte da simples escuta e consideração cautelosa de observações e críticas vindas de qualquer stakeholder que se relacione com seu negócio. Você está preparado para essa escuta consciente?
*Sócio-diretor da DMEP
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