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Para as mulheres ainda é desafiador ser ‘feliz’ no trabalho, especialmente as não brancas

Entre as mulheres, as mais plenas são as amarelas (66,6%), seguidas pelas brancas (64,6%)
Para as mulheres ainda é desafiador ser ‘feliz’ no trabalho, especialmente as não brancas
Laydyane Ferreira: relação da felicidade com a economia é completa | Crédito: Gabriel Maciel

Temas como saúde mental e felicidade tomaram impulso dentro das empresas a partir da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2022. Medir o grau de satisfação dos colaboradores e atuar para que a felicidade seja vista como um fator de decisão nos negócios e uma métrica de sucesso passou a ser obrigação dentro de muitas companhias. E um dos resultados desse movimento foi perceber que no rol da felicidade as mulheres, especialmente as não-brancas, são as menos satisfeitas.

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De acordo com a pesquisa “Recorte da Felicidade de Gênero em Organizações”, realizada pela Fair Jobs ao longo de 2022 e 2023, com foco no mundo corporativo, os homens tiveram uma performance melhor de FIB (66,3%), que as mulheres (62,6%). E, entre as mulheres, as mais felizes são as amarelas (66,6%), seguidas pelas brancas (64,6%), pretas (61%), pardas (58,8%) e, por fim, as indígenas (55,1%).

Para chegar a esse resultado, a consultoria utilizou o conceito de Felicidade Interna Bruta. Eles não são necessariamente antagônicos, porém miram o mundo e o valor dado às coisas e às pessoas sob pontos de vista diversos. Se, de um lado, o midiático PIB – Produto Interno Bruto – mede a riqueza produzida pelo país em um determinado período, a FIB é uma integração dos desenvolvimentos material, espiritual e cultural dos indivíduos.

Conforme o sócio da Fair Job, Charles Beck Varani, a FIB se baseia em nove variáveis: bem-estar psicológico (autoestima, estresse etc.), saúde (políticas de saúde, hábitos que melhoram ou prejudicam a saúde), uso do tempo (tempo utilizado para o lazer, família, amigos etc.), vitalidade comunitária (é basicamente o nível de interação com a sociedade em geral), educação, cultura (avalia as festas, oportunidade de desenvolver atividades artísticas etc.), meio ambiente (percepção da população em relação à qualidade do ar e da água, como também o acesso a parques e áreas verdes), governança (representação social da população em órgãos públicos nas esferas do executivo, legislativo e judiciário; como também sua postura como cidadão) e, por último, padrão de vida (renda familiar, dívidas, qualidade de moradia, etc.).

“Como conceito, a FIB nasce no Butão, uma nação muito pequena, que não queria ser comparada com outros países pelo PIB. Quando isso vem para o ambiente corporativo, embora o nome ainda seja FIB, a leitura é muito mais de bem-estar do que de felicidade. São indicadores para medir o bem-estar entre as pessoas e a empresa. Entender esse contexto pode mostrar estão as oportunidades de relacionamento da marca com o seu colaborador. A partir da Covid tivemos uma evolução do bem-estar. É inegável a mudança de mentalidade, o aprendizado de conceitos racionais. A questão dos ajustes dos conceitos com as práticas é onde está a zona cinzenta”, explica Varani.

A esses estudos sistemáticos dá-se o nome de economia da felicidade. Eles querem traçar a relação entre questões econômicas – como riqueza e emprego – e a satisfação individual. Assim, o mercado da felicidade movimenta negócios em torno do tema, como produtos, consultorias, formações e treinamentos, por exemplo.

Segundo a diretora-executiva do Instituto Gaki, consultoria em educação corporativa, Laydyane Ferreira, a FIB guarda uma íntima relação com a chamada “economia real” e, no caso das mulheres, isso fica claro. A felicidade – ou bem-estar – guarda uma proporção nítida com os resultados econômicos para gênero e raça apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apesar de ser um “país abençoado por Deus e bonito por natureza”, o Brasil ainda precisa evoluir. Alçado de volta ao grupo das dez maiores economias do planeta (9º lugar) no fim do ano passado, o País deve cuidar melhor especialmente das mulheres não-brancas.

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“A relação da felicidade com a economia é completa. Não à toa, alguns dos maiores nomes do mercado da felicidade são os prêmios Nobel de economia Daniel Kahneman e Angus Stewart Deaton. Percebo que a iniciativa privada já se deu conta disso. Há programas sobre o tema nas melhores escolas de negócios do mundo, inclusive no Brasil. Nesses programas o tema da diversidade e inclusão é fundamental. As empresas sabem que precisam não só admitir mais mulheres, mas incluir as mulheres na sua diversidade dentro da estratégia de pessoas com vistas à felicidade”, afirma Laydyane Ferreira.

Em todas as dimensões analisadas as mulheres apareceram com uma visão mais crítica, apresentando índices de FIB menores do que dos homens. As exceções ficaram por conta da dimensão “vitalidade comunitária” (empate com 63,6% para as mulheres e 63,2% para os homens ) e “meio ambiente” (64,8% X 63,3%)

“No geral, as mulheres são mais sobrecarregadas em funções e mais direcionadas para o cuidar. Quando olhamos para a questão da comunidade, percebo que existe um crescimento de redes de apoio envolvendo temas ligados às mulheres e também maior consciência da sociedade. O mesmo acontece com o meio ambiente. As empresas podem modificar os processos e políticas para humanizar as relações focando no entendimento do processo da mulher e colocando regras de negócios que permitam flexibilidade de tempo e redução da jornada de trabalho, por exemplo,”, pontua a especialista.  

Os dados globais mais recentes publicados pela ONU são do início do ano passado. Segundo o Relatório Mundial de Felicidade 2023, a Finlândia é o país mais feliz do mundo. O país nórdico ocupa pela sexta vez consecutiva o primeiro lugar no levantamento, que já está em sua décima primeira edição. Neste levantamento o país é seguido por Dinamarca (2º), e Islândia (3º).

O relatório analisa seis indicadores principais: apoio social, renda, saúde, senso de liberdade, generosidade e ausência de corrupção conforme desempenho no último triênio, portanto, de 2020 a 2022. Segundo o documento, o Brasil caiu 11 posições este ano, saindo do 38º para o 49º. Na primeira edição do ranking, lançada em 2012, o País ocupava o 25º lugar. Nos anos seguintes, foi avançando até alcançar o 17º posto, em 2016. De lá para cá, no entanto, a felicidade do brasileiro caiu gradativamente. A partir de 2017, o Brasil ocupou as posições 22º, 28º em 2018, 32º em 2019 e 2020, 41º em 2021 e 38º em 2022.

Crédito: Adobe Stock

Apesar da queda, o Brasil segue à frente da Argentina (52º). Entre os países da América do Sul mais felizes que o Brasil, estão o Uruguai (28º) e o Chile (35º).

“Existem as necessidades empresariais e as pressões mercadológicas. Por isso, acredito mais na proposta de valor – que é uma construção colegiada -, do que no propósito – que é algo pessoal. O grande desafio das empresas é encontrar o que move as pessoas. O tema da diversidade nunca esteve tão em voga. As empresas reconhecem a importância do assunto. A FIB ganha valor porque mede o esforço da inclusão. Só a diversidade é pouco. Ao mesmo tempo, temos que tomar cuidado para que essas discussões não caiam nos extremos do revanchismo ou do socialwashing. Devemos ser capazes de trazer as ferramentas para a construção da harmonia”, avalia o sócio da Fair Job.

Essa valorização do tema felicidade e mulheres pelas empresas já aparece em números. As pautas de gênero vêm se mostrando como um dos principais focos das políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão nas empresas brasileiras. 64% dos recrutadores entrevistados no último Índice de Confiança Robert Half afirmam contar com políticas claras para promover a equidade de gênero no ambiente corporativo.

Os resultados representam um acréscimo de seis pontos percentuais em relação ao último levantamento sobre o tema, realizado em fevereiro de 2023. Para efeitos de comparação, no início de 2022, essa porcentagem atingia 55% das organizações, o que indica um avanço significativo das companhias ao longo dos últimos anos.

Para que as empresas avancem, transformando a discussão em prática, uma liderança consciente e engajada é fundamental, desde o principal cargo de comando até as chefias imediatas. Ganham força também os profissionais de Recursos Humanos (RH), responsáveis por disseminar e fortalecer uma cultura corporativa que cuide da felicidade de todos, e que busque equalizar demandas dos grupos sub-representados, como as mulheres, por exemplo.

“O papel das lideranças é de desenvolvimento das pessoas e de travar seus sabotadores para criar cada vez mais hábitos e agenda para a felicidade. As lideranças precisam tomar conhecimento dos índices de felicidade por gênero e etnia para promover políticas e processos de desenvolvimento humano ligadas ao bem-estar para esses grupos. Lendo a pesquisa é possível perceber que ainda temos um longo caminho principalmente porque o mercado da felicidade ainda possui baixa representatividade profissionais dessas categorias falando do tema. Há mais abertura para a diversidade do que para a felicidade em si”, destaca a diretora-executiva do Instituto Gaki.

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