Negócios

Posse na Amulmig

Cesar Vanucci*

“Tu pisavas nos astros, distraída”.
(Manuel Bandeira considerava esses versos de Orestes Barbosa incomparáveis)

Em concorrida solenidade, prestigiada por figuras de projeção da cena intelectual, entre eles dirigentes de importantes entidades culturais mineiras, Capital e interior, a Academia Municipalista de Letras de Minas empossou, no dia 16 de outubro, a diretoria que irá reger seus destinos no próximo biênio. Elizabeth Rennó, presidente da Academia Mineira de Letras e presidente honorária da Amulmig, empossou os eleitos, proferindo aplaudido discurso.

 

Também discursaram Luiz Carlos Abritta, presidente da Academia de Letras do Ministério Público, Aluízio Quintão, presidente do Instituto Histórico e Geográfico, as acadêmicas Maria Armanda Capelão, Maria Inês Chaves de Andrade e Cândida Cortes Carvalho. O ritual da posse foi conduzido pela acadêmica Angela Togeiro. A programação musical esteve a cargo do tenor Marzo Sette Torres.

Investido pela segunda vez na presidência da Municipalista, fiz um pronunciamento que peço permissão para compartilhar com os distintos leitores. Depois das saudações de praxe, registrei os conceitos, revelações, observações a seguir reproduzidos.

“Amparado na inestimável colaboração dos companheiros cuidarei (…) de colocar todo empenho em favor da sustentação do brilhante trabalho levado a cabo nestes 55 anos de existência por nossa instituição, de modo tal possa ela continuar sendo enxergada (…) como um pujante centro de irradiação cultural, serena guardiã de saberes acumulados.

Passei a integrar os quadros da Municipalista em 2008. Mas já acompanhava seu belo trabalho desde a década de sessenta. Eva Reis, festejada poeta, de lembrança saudosa, convidou-me para saudá-la na sessão em que se deu seu ingresso nesta Casa, ano de 1966.

Na saudação, sustentei que a música popular brasileira oferece extraordinário manancial poético. Recorri à fala de um certo Manuel Bandeira em que esse vate, craque nacional na manifestação poética, destaca o verso “tu pisavas nos astros distraída”, de Orestes Barbosa, da linda canção “Chão de estrelas”, como o mais belo da poesia brasileira. O que sobreveio estava fora do enredo. Ilustre membro da Amulmig, intelectual renomado, já não mais em nosso convívio, discordou de minhas singelas observações. Aparteou-me com veemência, introduzindo na cerimônia, pra surpresa geral, inusitada polêmica.

O inesperado lance ajudou-me a compreender aquilo que, anos depois, o estimado Murilo Badaró, saudoso presidente da Academia Mineira de Letras, andou explicando em sábio pronunciamento: as academias não comportam dissidências, mas em razão do acendrado respeito à liberdade de expressão, são palco permanente de naturais divergências.
As discordâncias não impedem o entendimento convergente quanto à missão institucional, constante do compromisso ético e dever cívico de zelar pela cultura e pelo idioma. Luiz Carlos Abritta define a Amulmig como “um oásis de confraternização, solidariedade e amizade”. Está coberto de razão.

A celebração da vida – proclamam humanistas e espiritualistas – é escorada nas diversidades. Diversidade no plano das ideias, das crenças, das atitudes comportamentais.

O todo assombroso do Cosmos, com suas inexplicabilidades, é composto de variedades e diversidades. Acatar a diversidade, respeitar as diferenças são formas de resistir às impertinências dos radicalismos bolorentos que tantos malefícios provocam na convivência humana.

Quem acompanha os pronunciamentos deste desajeitado escriba sabe da insistência com que defendo o respeito aos valores da genuína cultura nacional. Monteiro Lobato é fonte em que bebo inspiração para a censura que faço, amiúde, à descabida utilização de estrangeirices de gosto duvidoso para classificar situações óbvias do cotidiano. “O idioma é a pátria”, proclamava o grande escritor.

Deploro, com constância, o emprego desabrido, como tanto se vê na televisão, na publicidade, de vocábulos extraídos de idiomas alheios. A macdonaldização em falares do dia a dia sinaliza claramente pauperismo intelectual, indigência cívica, subserviência cultural e babaquice ampla, geral e irrestrita.

Estabeleci em minha rotina mecanismos de resistência a esse desagregador modismo. A quem me comunica estar trazendo um “book” pra avaliação, recomendo que retorne, noutra hora, com o currículo. A quem me promete um “feedback”, indago se a expressão não representa novo rótulo de uísque ou marca de presunto. Recuso-me a entrar em loja que anuncie queima de produtos na base do “sale” e “off”. Em meus tempos de televisão, recomendava que os tais “breaks” fossem substituídos por intervalo, pausa, por aí. Um amigo, certa vez, conhecedor de minha postura, confessou não ousar mandar-me ir a um “fast food”. Com receio da resposta…”

Volto no próximo artigo ao pronunciamento feito na Amulmig.

* Jornalista ([email protected])

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