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‘Diversidade e inovação renovam gestão pública’, diz Luciana Lopes, presidente da FJP

Presidente da Fundação João Pinheiro (FJP), Luciana Lopes falou em entrevista exclusiva ao Diário do Comércio
‘Diversidade e inovação renovam gestão pública’, diz Luciana Lopes, presidente da FJP
Crédito: Diário do Comércio / Isa Cunha

Na última edição de Mulheres de Impacto, a série de entrevistas do Diário do Comércio com gestoras mineiras de empresas e organizações de grande importância na economia do Estado, convidamos a presidente da Fundação João Pinheiro (FJP) para falar das mulheres na gestão pública.

Luciana Lopes está na função há pouco mais de um ano. Mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Administração Pública pela Escola de Governo da própria Fundação, ela fez carreira no serviço público e tem como principal missão levar à frente projetos de pesquisa aplicada, consultorias, desenvolvimento de recursos humanos e ações de apoio técnico ao Sistema Estadual de Planejamento.

Você se formou em administração pública, é consultora legislativa de carreira na Assembleia Legislativa de Minas e também fez carreira na Fundação João Pinheiro. Como você se interessou pela administração pública?

Eu sempre tive interesse no mundo político. Sou de 1985 e me lembro vivamente das eleições de 1989. Eu gostava de acompanhar aquilo, mesmo sem entender nada. E isso foi me acompanhando ao longo da vida. Na escola gostava de história e desse mundo público. E aí quando eu estava no ensino médio, eu já tinha clareza que queria fazer Direito e uma segunda opção era Relações Internacionais.

Quando uma grande amiga contou que o irmão estudava administração pública na Fundação João Pinheiro e que eu poderia sair de lá com uma carreira e ainda ganhar para fazer a faculdade, entendi que era a minha oportunidade. Fiz os dois cursos ao mesmo tempo.

Gestão pública e política são coisas diferentes, mas não largam a mão uma da outra. E até hoje são poucas mulheres em ambas. Hoje você faz parte de grupos de pesquisa dentro da UFMG e da própria Fundação. Qual o papel das mulheres no debate e nos estudos sobre gestão pública, sobre leis e direitos, enfim, sobre democracia?

As políticas públicas são feitas para atingir vários públicos, então é muito importante ter inputs de vários públicos. Um exemplo banal: as creches deveriam abrir 6h30, porque a maioria das mães vai pegar trabalho a partir das sete. Então essa seria uma diretriz. Se você não tem ninguém que formule a política pública com esse conhecimento, ela não será efetiva. A gente tem que buscar uma diversidade real.

Fui criada pelas minhas tias porque meus pais morreram quando eu tinha um ano, e todas trabalhavam no setor público. Uma delas atuava como defensora pública na Delegacia de Mulheres. O meu recorte pessoal era que tinha mulheres em todos os lugares do poder. E até quando eu entrei para a Fundação João Pinheiro, as duas principais figuras da época eram Renata Vilhena e Maria Tereza. Então, foram vários exemplos de mulheres ocupando espaços.

Nunca passou pela minha cabeça que seria difícil ocupar esse espaço por ser mulher, conheço relatos de várias mulheres que se sentiam constrangidas em alguns ambientes. Vamos abrir esses espaços, ter mais experiências e naturalizar a nossa presença.

Em 55 anos você é a segunda mulher a assumir a presidência da FJP. Antes, apenas a Marilena Chaves, entre 2011 e 2015. Como presidente você enfrentou algum caso de machismo explícito?

Sendo bem sincera, nunca passei por isso. Mas eu posso não ter enxergado. Vejo que tenho outras características que talvez me diferenciam um pouco mais, sobrepondo o ser mulher. Sou muito reservada e, normalmente, os presidentes gostam de aparecer. As pessoas estranham.

A Fundação João Pinheiro é uma das instituições mais conceituadas de Minas Gerais, prestando serviços para todo o Brasil e com vários parceiros internacionais. A gente sempre pensa nessas parcerias sob o ponto de vista do que o Brasil pode aprender. Mas pensando pelo outro lado, o que nós temos a oferecer para a gestão pública mundial?

Semana que vem vamos participar do Comitê de Especialistas em Administração Pública da ONU como observadores e nos inscrevemos para fazer uma apresentação. Vamos falar de como podemos atrair jovens e mudar o mindset dentro da administração pública. Esse modelo de investir na formação de quatro anos para formar um administrador público que possa seguir carreira atuando dentro do Estado de maneira transversal. Essa é uma coisa que nós queremos apresentar e, eventualmente, prestar consultorias.

Semana passada, por exemplo, recebemos quatro professores de Moçambique que estão muito interessados nesse modelo. A nossa assessoria técnica já está fazendo um projeto de extensão com os alunos, estudando a legislação para ver como pode ser alterada para propor um curso parecido.

A FJP fez um esforço de reconstituir os grupos e internacionalizar a pesquisa. Tudo isso é muito importante porque tanto tem vindo professores do mundo todo até aqui para conhecer algumas das nossas metodologias, como os nossos professores estão indo ver o estado da arte em gestão pública.

Outra coisa que podemos exportar é o SAPP (Sistema de Avaliação de Políticas Públicas). A Fundação faz parte de um sistema que avalia sistematicamente as políticas públicas do governo de Minas. Fazemos um report para o alto escalão que vai tomar as medidas necessárias. Michael Barclay, que é uma referência em administração pública, veio ano passado super interessado em participar do SAPP.

Além de outros pontos como o governo digital, por exemplo, em que o Brasil é uma referência. Você faz um monte de serviços totalmente digitais. Em muitos lugares tudo ainda é manual. Então acho que a gente tem muitas coisas a contribuir.

Vou contar um caso engraçado. Meu marido é italiano, que estava fazendo um pedido, mas o site funciona no mesmo horário que o departamento físico, no horário comercial. Então temos que observar o fuso horário porque se fizermos alguma ação e se lá for madrugada, ele não é registrado.

Outra iniciativa recente muito interessante também é que a gente faz o cálculo do déficit habitacional para o Brasil inteiro. A Agência Brasileira de Cooperação entrou em contato com a gente, junto com a ONU-Habitat, para fazer desenvolver uma metodologia para Cabo Verde.

E o que as mulheres têm a contribuir com a administração pública no geral?

John Stuart Mill dizia que as melhores administradoras e os melhores reinados da Inglaterra foram todos com mulheres. Eu acho que as mulheres são melhores em gerenciar várias coisas ao mesmo tempo. Mas eu acho que vai muito daquilo que eu estava falando antes. 50% da população é feminina, então, algumas demandas públicas talvez não sejam vistas se você tem o board todo masculino, alguma coisa fica faltando.

E, por fim, quando as mulheres entram na força de trabalho, simplesmente dobramos o número de cérebros dentro da economia. E a gente sabe que economia é, basicamente, essa interação e escolhas entre vários agentes do mercado. Imagina se metade está privada de entrar?

Uma das pressões mais fortes que a sociedade impõe sobre as mulheres é a maternidade, inclusive sobre as que não se tornaram mães. Você tem dois filhos. Como você lida com a organização do tempo?

Eu tenho um casal com nove e sete anos. Eles estão numa idade mais independente, mas a gestão do tempo ainda é complicada. Quando recebi o convite para a Fundação, eu trabalhava meio período e conciliava bem o trabalho com o pessoal. Acho uma delícia conversar com as crianças e não queria me privar disso. Eu hesitei, mas aí meu marido me deu mostrou que era uma oferta irrecusável. Mexemos aqui e dali e conseguimos adequar o nosso tempo. É importante ter um parceiro muito presente e eventualmente, outras pessoas assim, a famosa rede de apoio.

Uma coisa muito interessante que você me contou em outra entrevista foi a capacitação em Linguagem Simples – um esforço para fazer a comunicação mais acessível, tornando todo o conhecimento gerado na Fundação mais acessível, ajudando os governos a aumentar a qualidade da gestão pública. Qual o papel da comunicação para uma administração pública mais eficiente?

Esse é o assunto dos governos. Eu lembro que em 2009, São Paulo fez um decreto de linguagem simples. Eles soltaram uma notificação da Secretaria de Fazenda escrita da linguagem burocrática comum, que não dava para entender nada. E depois, revisaram para informar melhor o que estava sendo notificado. E aí eu vi aqui como era legal. Quando voltei para a Fundação, assinamos logo depois a resolução de linguagem simples, em parceria com a Seplag (Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão).

Então, começamos esse esforço de tentar simplificar os nossos informativos. Temos uma diretriz de que todo informativo tem a versão acadêmica, porque existe um público que precisa dela, e outra em linguagem simples. Usamos a inteligência artificial e depois o pesquisador edita e valida.

Você pode indicar uma ou duas mulheres inspiradoras que a gente possa seguir nas redes ou ler a biografia delas ou um livro que elas tenham escrito?

Vou falar das mulheres dos nossos grupos. O Observatório da Lei, que é o grupo de pesquisa da UFMG, liderado pela professora Fabiana de Menezes. Ela não usa muito a rede social, infelizmente. Pesquisem, por favor.

O grupo pesquisa sobre o fazer das leis e como deveriam ser. Existem várias subáreas, vários escritos interessantes pelas pessoas desse grupo que eu acho que podem ser de interesse geral.

E no nosso grupo da Fundação, “Estado e Liberdade”, temos duas pesquisadoras muito bacanas: a Amanda Flávio, que foi a primeira diretora da Faculdade de Direito da USP, que é fantástica. Ela já usa mais as redes. Ela fala muito sobre direito e economia. Muito bacana para acompanhar.

E Marise Schons, que é uma socióloga do Rio Grande do Sul. Ela fala bem, escreve bem e pesquisa profundamente. Acho, no geral, os perfis de Instagram muito superficiais, mas ela é muito profunda. Ela consegue ser muito profunda em pequenos textos. Elas são mulheres que me inspiram.

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