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Com legado de inovação, presidente da ACMinas faz balanço da gestão e aponta desafios para o futuro

Projeto de releitura da Região Metropolitana é maior legado da gestão
Com legado de inovação, presidente da ACMinas faz balanço da gestão e aponta desafios para o futuro
Crédito: Divulgação ACMinas / Fábio Ortolan

O novo presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas Gerais (ACMinas) será escolhido no mês que vem (dia 2). O próximo gestor terá como legado os quatro anos do atual presidente, o advogado José Anchieta da Silva, repleto de projetos que ainda precisarão ser concluídos tamanha a dimensão das propostas.

Eleito em plena pandemia, Anchieta assumiu o mandato em janeiro de 2021 e, por quatros anos, honrou o projeto de fortalecer o papel da instituição como referência do empresariado mineiro e apoiar o desenvolvimento socioeconômico do Estado, reforçando seu compromisso com a inovação, a gestão e a sustentabilidade. 

Ocupando um lugar de referência técnica e representatividade, a gestão Anchieta promoveu uma série de iniciativas estratégicas para ampliar a influência da ACMinas em questões fundamentais para o ambiente de negócios e para o crescimento sustentável tanto em Belo Horizonte quanto em Minas Gerais e no Brasil. Foi para avaliar os quatro anos à frente da ACMinas que o presidente recebeu o Diário do Comércio para esta entrevista.

Como o senhor avalia os quatro anos de gestão? Faltou alguma coisa?

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A gente fez o possível. O grande problema é que instituições como a ACMinas são riquíssimas em histórias e em quadros pessoais, porém, temos uma pobreza franciscana, não temos recursos. Superamos isso com várias parcerias, como com o Sebrae, o BDMG, escolas, entre outros. Mas eu estou tão feliz com o que a gente fez. Estamos deixando projetos encaminhados porque não deu tempo de acabar. Tem o AClera, que é uma relação nova com o empresário; tem a reforma tributária, que não se resolverá nem nos próximos dois anos; e tem a reforma do Estado, que deveria começar pela administrativa. Além desses, tem o BH Sempreviva Metrópole Humanizada e Inteligente, que pensa a região metropolitana como metrópole.  Enfim, são vários de nossos projetos que foram pensados para a próxima gestão cuidar. Eu diria que nós fizemos tudo o que foi possível.

Quais foram as principais conquistas?

O primeiro embate que tive, em menos de 24 horas na presidência, foi impedir a desobediência civil que os associados queriam adotar no período da pandemia. A desobediência civil é um instrumento jurídico interessante e complicado. É quando a sociedade resolve deliberadamente desobedecer às autoridades e eu fiquei assustado. Minha resposta foi dura. Eu falei: nosso adversário é o vírus e não as autoridades. Daí nos perguntavam o que a ACMinas iria fazer? E demos uma resposta atenuada e tecnicamente elaborada, que foi o desenvolvimento do trabalho que chamamos, à época, BH fechamento nunca mais. Esse projeto foi o núcleo do maior projeto que não ficou pronto ainda tamanha a grandeza dele. Nós descobrimos que há um divórcio não declarado entre as autoridades municipais e as instituições privadas em que cada uma dá o melhor de si mas só dentro do seu universo, como um arquipélago, e todos padeciam desse erro. Com isso, percebemos que Belo Horizonte é uma metrópole legal, um artigo de lei, mas não funciona. Não funciona porque nasceu mal. Fizemos um grupo de trabalho que hoje compõe o projeto BH Sempreviva Metrópole Humanizada e Inteligente e que engloba os 34 municípios da região metropolitana, mais outros 12 que recebem influência e que pensa as cidades de forma dependentes. Então, esse é o projeto que a ACMinas deve entregar no ano de 2025 para ser discutido com os municípios de seu entorno. O avanço civilizatório levou ao reconhecimento de regiões metropolitanas, colocaram na lei, mas faltam ajustes. Possivelmente teremos que mexer na constituição, na mobilidade, na educação, em tudo. Por isso, esse projeto não está concluído ainda. Mobilidade, educação, segurança pública. Não dá para separar, por exemplo, a segurança pública de Ribeirão das Neves e Belo Horizonte. Em mobilidade, nosso aeroporto está na terceira cidade. Você passa Vespasiano, para só então chegar em Confins. Então, é preciso perceber o que cada cidade faz melhor, perceber o papel dela na região metropolitana e destinar a atribuição que ela tem para aquele lugar. Queremos desenhar uma Belo Horizonte Metropolitana que seja modelo para as demais regiões metropolitanas do Brasil. Essa é a grande contribuição da ACMinas para o Brasil, uma releitura do que é região metropolitana. Eu tenho a impressão que será o maior trabalho que a ACMinas poderá prestar para o Brasil considerando os seus últimos 124 anos de idade tal a grandeza dele. Um trabalho filosófico e geopolítico, muito transversal que chamará todos as áreas para conversar e acertar os ponteiros.

Você citou que este projeto foi travado por algumas questões compreensíveis na sua gestão. Quais foram?

A reforma tributária é uma delas. Tomamos um susto. O Brasil precisa de uma reforma do Estado e a ACMinas percebeu isso lá no momento da pandemia. Nós propomos isso no “Segundo Manifesto dos mineiros”. Propomos uma mudança no Estado, uma reforma administrativa, de educação, de segurança, orçamental, uma reforma de todo o estado brasileiro. Temos que começar pela reforma administrativa. O que o Brasil fez foi começar pela reforma tributária sem cortar o que deveria ser cortado, que são, principalmente, os privilégios que atendem por um nome jurídico muito bonito, o chamado direito adquirido. Houve um momento em que a ACMinas ficou sozinha. Já acreditávamos que era um projeto que não foi discutido com a sociedade, um projeto mentiroso que não para em pé, que de novo privilegia castas e pune empresários. Houve um momento em Brasília que a ACMinas ficou sozinha. Hoje, todo mundo já fala que tínhamos razão.

E a mudança de sede, houve resistência?

Não houve. Mas foi outra questão que contribuiu para o atraso do projeto da região metropolitana. A ACMinas tem há 100 anos um prédio grande, bonito, confortável, com boa dose de modernidade, mas para nós ficou grande. Fomos para uma sede menor, moderna, melhor localizada e mais econômica, mas ainda não é definitiva. Estamos ‘namorando’ alguns lugares, mas ainda sem definição.

A concorrência chinesa virou um problema para quase todos os setores. Como a ACMinas tem lidado com ela?

Nós temos que repensar a atividade produtiva. A riqueza se transfere quando você ganha o dinheiro do outro, se você ganha o dinheiro que já é seu, então você não fica rico. Esse exemplo é interessante para explicar a questão chinesa. Para o Brasil ficar rico, nós temos que comprar e vender trazendo divisas de fora. É o Brasil exportador e o Brasil importador que vão ditar sermos um país rico ou não. A China faz de tudo por métodos que a gente não conhece direito, mas seguramente mais baratos do que os nossos. Porém, com uma boa dose de “defeito” no trato da coisa e no trato das pessoas, mas precisamos considerar, tem uma grande dose de eficiência e uma grande dose de trabalho. Então, precisamos encontrar o caminho do meio. A  própria atividade empresarial do e-commerce implica em reconhecer que existe um empresário diferente que não é o rural e nem aquele que fica atrás do balcão. Eu não tenho resposta, tenho muitas dúvidas, mas tenho muitas ideias. Temos que trabalhar empiricamente e dedicar ao reconhecimento desse empresário que eu chamo de terceira geração. Temos que melhorar nossa competitividade e tributar, sim, aquilo que importamos. Não tenho medo da importação, ela só não pode ser privilegiada. Senão, a concorrência fica desleal.

E a questão da mão de obra? Outro problema comum entre os setores, como a ACMinas tem trabalhado para solucionar isto?

É um ‘problemaço’. Só a educação transforma. Precisamos ter como exemplo a Índia. Assim como o Brasil, ela tinha regiões muito desenvolvidas e outros de pura miséria. Ela tomou juízo, adotou modelos modernos de educação e hoje está entre as economias mais organizadas do mundo, isto em 30 anos. A educação transforma as pessoas, nós temos que repensar o nosso modelo de educação. Para melhorar o índice de desenvolvimento humano, o Brasil resolveu ter um determinado número de bacharéis em curso superior e não valorizou o ensino da tecnologia, das bolsas de estudo segmentadas, para de fato fazer o desenvolvimento. Precisamos voltar para escola e desenhar um novo modelo de educação. 

Entrando nos temas mais recentes, como lidar com a questão das bets, das apostas?

Eu acho que é o assunto do dia, é o modismo da hora. Eu não tenho nenhuma simpatia do jogo como negócio, mas o jogo é um negócio e está classificado na atividade empresarial do comércio. Então, ele deve existir de maneira que se permita o jogo e a aposta sem que ele se transforme num desastre. Em todo o mundo, há vários lugares em que o jogo é um negócio, mas é preciso organizar e regulamentar.

E quanto às interferências em relação ao ‘amicus curei’, o “amigo da corte” em que a entidade oferece pontos de vistas sobre temas diversos?

Sim, temos vários exemplos na nossa gestão. Com a reforma do nosso sistema judiciário passou-se a adotar que as instituições que sejam representativas e com competência técnica, que não são parte da ação possa contribuir com as decisões dos juizes. E a ACMinas faz isso desde 1901. Na minha gestão, temos o exemplo da Stock Car, do conflito pelo controle das Usiminas, entre outros.

Estão mais acaloradas as discussões sobre a jornada de trabalho 6×1 no Brasil.  Como você avalia esta proposta?

Legislação trabalhista no Brasil é problemática. A nossa CLT é da década de 1940, e está baseada, principalmente, num argumento histórico, até então verdadeiro da hipossuficiência em contraponto com a hipersuficiência. O patrão tratava muito mal o empregado que, de um modo em geral, não era escolarizado. Então, a CLT preencheu esse papel e muito bem. Hoje, 80 anos passados, a realidade é outra. O empregado está mais bem informado e não podemos tratar a hipossuficiência dele com a mesma realidade. As regras não podem ser as mesmas, não podem ser rígidas. As pessoas precisam ter liberdade econômica para definirem o que querem. Não pode ser uma regra horizontal. 

Para finalizar, qual será, então, o principal desafio da nova gestão?

Acredito que é o enfrentamento de dois temas que falamos: reforma tributária em especial e a reforma do Estado no geral. É um grande desafio, mas a ACMinas tem gabarito pessoal para participar deste debate como protagonista.

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