Empresas enfrentam crise de confiança com estratégia e coerência

Em tempos de crise de confiança, construir e proteger a reputação de uma empresa não é uma tarefa apenas para o setor de comunicação. Baseados em um posicionamento transparente, profissionais de comunicação esforçam-se diariamente para tornar empresas e instituições confiáveis e conquistar mais do que consumidores e investidores.
O cenário, porém, não é animador. A edição de 25 anos do estudo de confiança da Edelman Trust Barometer aprofundou o olhar para as quatro principais instituições da sociedade: empresariais, Organizações Não Governamentais (ONGs), governo e mídia. No Brasil, apenas 39% dos respondentes e 46%, respectivamente, entendem o governo e a mídia como confiáveis, deixando essas instituições em um perímetro de desconfiança. Já as empresas são tidas como as únicas instituições confiáveis no País, enquanto as Organizações Não Governamentais (ONGs) estão como neutras.
O nível de desconfiança nos líderes governamentais atingiu 76% no Brasil e 69% no âmbito global, enquanto a relação com os jornalistas atingiu 72% em solo nacional e 70% mundialmente. Já 64% carregam ressentimento contra empresas, governo e ricos.
Para restaurar a confiança e promover o otimismo em meio à crise de ressentimento, o relatório propõe às empresas:
“Aqueles com um nível maior de ressentimento estão mais propensos a acreditar que as empresas não estão fazendo o suficiente para resolver problemas da sociedade. Para lidar com essas expectativas, entenda suas obrigações, aja em prol de seus stakeholders e defenda sua organização.”
Para a professora e fundadora da ALL + Consultoria Estratégica, Ana Luisa Almeida, vivemos em uma sociedade onde não há mais o que se esconder, em que as pessoas estão o tempo todo filmando, fotografando e publicando.
“As organizações precisam ter uma responsabilidade muito grande diante dessa visibilidade e da exponencial supertransparência. Muitas vezes os executivos comunicam nas suas redes de uma forma inadequada, e isso fragiliza a empresa. O importante é a empresa preparar o executivo, ensiná-lo a utilizar de forma adequada a sua presença nas redes, sabendo o que pode afetar a reputação da marca”, explica Ana Luísa Almeida.
A professora foi uma das palestrantes do 9º Seminário da Associação Brasileira das Agências de Comunicação – Minas Gerais (Abracom-MG), que reuniu agências de comunicação, empresas e fornecedores em Belo Horizonte, no dia 6 de agosto. Com o tema “Posicionamento & reputação das empresas: entre o conflito e a conexão verdadeira”, o encontro discutiu como as empresas devem se posicionar em um ambiente global polarizado, com muitos ruídos na comunicação e fake news.
Presente no painel “O que acontece quando as marcas se posicionam?”, o gerente de Marketing da Cemig, Lucas Souto, trouxe a sua experiência em uma empresa que, apesar de ser mista, presta um serviço essencial e é percebida como uma empresa pública. Segundo ele, a companhia enfrenta diferentes desafios:
- Conflitos regulatórios e políticos,
- Crises climáticas e sociais,
- Serviços,
- Integridade, governança e transparência,
- Fake news.
“A reputação precisa ser vista como um capital estratégico. Ela é um ativo cumulativo, construído por práticas e não apenas pelo discurso. Ela influencia a legitimidade, a atração de talentos e impacta a confiança pública. A nossa missão é mostrar consistência entre imagem e identidade, em parceria com as demais áreas”, pontua Souto.
No mesmo painel, a head de Reputação e Comunicação da Natura, Vanessa Motta, afirmou que a companhia, reconhecida mundialmente pelo seu posicionamento socioambientalmente responsável, não está imune às críticas e aos ruídos de comunicação que colocam a reputação em risco.
A estratégia escolhida, segundo ela, foi a de reforçar o posicionamento confiando na construção sólida do propósito. Há seis meses, a empresa lançou o manifesto “Quanto vai custar parar de investir no futuro?”, reforçando o seu posicionamento diante de uma onda global anti-ESG alimentada pelo retorno de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos.
“Quando muitas empresas resolveram baixar as metas, resolvemos partir para um posicionamento público e ir à imprensa para falar que iríamos aprofundá-las. Era também uma provocação às outras empresas. No contexto de desconfiança, o escrutínio é muito maior. Com essa crise e a polarização, a demanda por gestão de reputação é cada vez mais estratégica. As expectativas são altas, os stakeholders cobram ativamente e querem ser ouvidos, não apenas informados. Consistência e coerência são fundamentais”, destaca Vanessa Motta.
Acostumada à velocidade do mundo virtual, a head de Comunicação e Relações Públicas do YouTube Brasil, Malu Gonçalves, ressalta que transparência e prontidão são fundamentais para uma comunicação efetiva com os diferentes perfis de usuários da plataforma.
“O YouTube surgiu há 20 anos e, com o tempo, percebemos que precisamos explicar o que somos. Não nos percebemos como uma rede social e precisamos explicar isso ao público. E isso exige transparência”, avalia Malu Gonçalves, que lista “ideias para construir a reputação na era digital”:
- Sua missão é sua bússola,
- Prove seu valor, não apenas comunique,
- Exerça sua influência e expertise,
- Crie relações baseadas em transparência,
- Reputação é um jogo de ataque e defesa.
De acordo com o diretor regional da Abracom-MG, Rafael Araújo, falar sobre reputação não é uma coisa nova, mas o atual cenário exige que, mais do que discutir, as empresas devem garantir um posicionamento que mostre para a sociedade o que ela é, o que pensa e ajude a moldar as expectativas da sociedade sobre ela.
“Esse evento também reforça a coragem das empresas em se posicionar. E é claro que é posicionamento com segurança, com responsabilidade. E, principalmente, não é só dizer, é sustentar aquilo que ela diz. Pesquisas mostram que as pessoas confiam cada vez menos nas instituições, inclusive nas empresas e líderes empresariais. Então, como profissionais da comunicação, temos que ligar o sinal de alerta. Essa não é uma função só nossa, mas somos os catalisadores, os que engajam toda a empresa nessa missão.”
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