‘Sustentabilidade é sobre pessoas, coerência e legado’, diz líder da Samarco

À frente da recém-criada Diretoria de Sustentabilidade da Samarco, Rosane Santos carrega uma dupla missão: fortalecer a governança ambiental e social de uma empresa que busca se reconstruir após uma das maiores tragédias ambientais da história moderna e, ao mesmo tempo, abrir caminho para outras mulheres negras em um setor ainda dominado por homens. Contadora de formação, com especialização em finanças e MBA executivo na Inglaterra, Rosane iniciou a carreira em compliance e auditoria, mas encontrou na sustentabilidade corporativa uma nova forma de atuar e de transformar.
Depois de duas décadas no universo do controle e da governança, ela percebeu que queria olhar para os negócios não apenas sob a ótica dos problemas, mas das soluções. A transição de carreira, feita dentro da Nissan, onde foi gerente sênior de compliance e presidiu o Instituto Nissan no Brasil, abriu o caminho para a agenda de ESG e impacto social, que mais tarde a levaria à mineração.
Hoje, como executiva da Samarco, Rosane conduz um dos cargos mais complexos do setor, justamente por envolver o desafio de consolidar práticas de sustentabilidade e reparação em uma companhia marcada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. “Entrar na Samarco significa ter a oportunidade de transformar de dentro”, afirma.
Cristã e fundadora do Instituto Pactuá, que incentiva jovens lideranças negras, Rosane fala sobre propósito, fé, liderança e saúde mental. À frente de uma equipe multidisciplinar, ela defende uma gestão baseada na escuta e na construção coletiva, acreditando que a sustentabilidade vai além das metas ambientais – é também sobre pessoas, coerência e legado. Sua trajetória, construída com disciplina e coragem, inspira outras mulheres, especialmente as negras, a acreditarem que é possível ocupar espaços de poder e reescrever histórias onde antes não havia referências.
Sua área de formação é contabilidade e finanças?
Sou formada em contabilidade, com especialização em finanças e MBA executivo na Inglaterra. Na primeira fase da minha carreira, de 2002 a 2016, trabalhei naquilo que chamo de funções de monitoramento da governança. Comecei como auditora externa, depois atuei com controles internos, compliance e auditoria interna. Minha última posição nessa carreira foi na Nissan, como gerente sênior de compliance e de auditoria interna. Foi nessa época que estudei na Inglaterra e comecei a sentir um desconforto interno, porque não queria mais trabalhar olhando os negócios apenas sob a perspectiva do problema. Já não fazia mais sentido para mim. Então, fiz uma avaliação de carreira com um profissional independente, da qual surgiram alguns apontamentos, um deles, trabalhar com pessoas.
No exterior, percebi discussões mais amadurecidas sobre temas que ainda engatinhavam no Brasil, como impacto social, investimentos sociais e soluções para problemas ambientais e sociais através dos negócios tradicionais – tudo isso dentro da lógica da sustentabilidade e do ESG. Quando terminei o MBA, o tema começava a chegar à própria empresa, a Nissan, e, por ser uma companhia global, o cascateamento era mais fácil. Ninguém queria assumir essa frente, mas eu já havia sinalizado à liderança meu desejo de mudar de carreira, de sair de compliance e auditoria.
Ao mesmo tempo, fazia trabalho voluntário no Instituto Nissan. Assim, fiz a transição e passei a ser gerente responsável pela sustentabilidade/ESG na América Latina e a presidir o Instituto Nissan no Brasil, braço de responsabilidade social da montadora. Costumo dizer que acessei a sustentabilidade pelo eixo social.
Uma dúvida que tinha era como transformar meu conhecimento em auditoria e compliance em algo que fizesse sentido para a sustentabilidade. Uma amiga me disse: “Rosane, você tem a visão do negócio e será mais fácil fazer a transição, porque precisa colocar sustentabilidade em todas as áreas da companhia”. Segui essa lógica e identifiquei que meu espaço na sustentabilidade é na gestão. Hoje não opero projetos sociais nem a governança, mas gerencio essas frentes sob a perspectiva da sustentabilidade corporativa. Minha visão de empresa e de processos me dá ferramentas para, junto às áreas técnicas, construir soluções e fazer a ponte com a alta liderança, ajudando a confirmar, ajustar rotas ou acelerar os caminhos da organização.
Como chegou à mineração?
Comecei na mineração pela Bamin – Bahia Mineração S/A, que à época era um projeto em desenvolvimento. Minha responsabilidade era ajudar a empresa a construir sua narrativa de ESG e sustentabilidade, pois ela buscava captação de recursos no mercado. O projeto enfrentava as dificuldades naturais desse processo de financiamento, e percebi que a sustentabilidade estava desacelerando. Como eu estava no início da nova carreira, precisava acelerar, enquanto eles desaceleravam a inserção da pauta.
Eu queria uma empresa que caminhasse na mesma lógica que eu, foi quando a Samarco me encontrou e ofereceu o desafio de amadurecer o nível de sustentabilidade da companhia. Até então, o tema chegava apenas ao nível de gerência geral. Por isso, foi criada a Diretoria de Sustentabilidade na Samarco, justamente para elevar a pauta a outro patamar, no momento em que a empresa avançava na retomada das operações e assumia a reparação.
Há leituras internas muito interessantes: as pautas de reparação e sustentabilidade têm uma sinergia temática total.
Não há como falar em mineração em Minas Gerais e na Samarco sem mencionar o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015. Gostaria de saber qual foi o impacto pessoal desse episódio sobre a Rosane profissional.
Quando ocorreu o rompimento, eu trabalhava na Nissan e não entendia nada de mineração. Minha leitura do episódio foi, como a da maioria dos brasileiros, pela televisão. Foi algo chocante, pela complexidade e pelo alcance.
Quando entrei na mineração, em 2022, precisei compreender o rompimento com mais propriedade, porque na Bamin havia a diretriz de não trabalhar com barragens. Tive de entender o que são barragem, resíduo, rejeito, empilhamento a seco, filtragem, para saber o que, na perspectiva da sustentabilidade, fazia sentido e era colaborativo para o negócio. Mesmo com essa imersão, o tema ainda era distante para mim. Acho que só quem vivenciou consegue dimensionar o que foi. Ainda hoje ouço muitos relatos, e minha mente não alcança toda a complexidade: uma barragem romper, devastar territórios, levar pessoas, casas, rios.
Ao entrar na Samarco, fiz um mergulho profundo na história do rompimento, não apenas porque precisava entender que empresa era essa que ressurgia, com o desejo de operar novamente e avançava de forma cadenciada e correta na retomada, mas também para compreender como se daria a reparação.
Lembro-me de que uma das perguntas que muitas pessoas fizeram, mas só me contaram depois, foi: “O que a Rosane vai fazer na Samarco?”. Eu já havia construído uma reputação como profissional de sustentabilidade, e as próprias pessoas diziam: “Se a Rosane está indo para a Samarco, é porque a empresa está levando isso a sério”. Costumo dizer que a Samarco não me entrevistou, fui eu quem entrevistou a Samarco. Precisava estar confortável, porque estava colocando meu nome em jogo.
Entrar nessa marca significa ter a oportunidade de transformar de dentro, de influenciar positivamente estando no organismo, e não apenas criticar de fora. Minha colaboração, além do aspecto técnico, é trazer minha reputação e dar credibilidade ao que a empresa faz e fará.
Não é uma trajetória simples nem uma cadeira trivial. Acredito que, no mercado, apenas a Vale tem uma diretoria de sustentabilidade com complexidade semelhante, por conta de todos esses aspectos: a retomada das operações, a assunção da reparação – que foi muito controversa nos primeiros anos. Precisamos ressignificar rapidamente essa entrega ao território para que seja crível e possamos cumprir o prometido de forma definitiva e justa.
Ainda existe, especialmente em Minas Gerais, uma carga muito grande de mágoa e dor em relação à Samarco. Tudo isso é anterior a você, mas a alcança na posição que ocupa hoje. Em tempos de redes sociais, em que as pessoas dizem o que querem, como você cuida da saúde mental para que essa carga seja mais leve?
Lembro que, no início do processo seletivo, quando o headhunter mencionou o nome da empresa, eu disse: “Ah, não, essa empresa não…”. Era a vaga certa na empresa errada, justamente porque eu vislumbrava a complexidade e também a reputação da companhia. Mas, uma vez que a oportunidade chegou, pensei: se eles me consideram competente para isso, quem sou eu para dizer que não?
Não tenho medo de trabalhar. É claro que sinto o volume – é muito trabalho, muita responsabilidade, muitos temas, o time é grande -, mas, ao mesmo tempo, tenho a oportunidade de transformar de dentro, e isso é muito gratificante.
Quanto à saúde mental, costumo dizer que, como mulher cristã, sou uma tríade: corpo, alma e espírito. Faço atividade física quase todos os dias, procuro manter a saúde e cuidar da alma com terapia, convivendo com minha família e amigos. Leio muito além do conteúdo técnico. No aspecto espiritual, tenho uma conexão diária com o divino, que me fortalece e me dá as munições espirituais de que preciso para dar conta de tudo.
Esse sistema de apoio me ajuda a manter o equilíbrio. Há também um elemento essencial: meu time, que é excelente e me permite desenvolver o estilo de liderança que gosto. Sou o tipo de líder que não tem vaidade de querer saber mais do que a equipe. Para mim, tem muito valor aprender com o outro.
Meu papel como liderança é gerenciar pessoas: mostro e acelero caminhos, dando liberdade para que assumam o protagonismo em suas pautas. Como são muito competentes tecnicamente, isso se torna mais fácil. Quando é necessário algum realinhamento ou uma postura mais diretiva, isso ocorre sem prejuízo da relação. Ouço muito e dou espaço à criação e à colaboração. Uma vez que se lidera bem as pessoas e se tem as pessoas certas, o trabalho aparece.
Você mencionou o vanguardismo. Faz muita diferença quando há alguém em quem se inspirar. Pode falar um pouco sobre essa missão, o significado de ser inspiração e o que diria hoje às meninas que se espelham em você?
Quando comecei a ser vista como referência, senti muito medo. Não queria ser referência. Com o tempo, porém, passei a encarar esse papel sob a minha própria perspectiva. Eu não tive referências. Trabalhei a vida inteira com homens – e continuo trabalhando. Olhava ao redor e não via alguém que me inspirasse a ponto de pensar: “Que incrível essa mulher, quero seguir esse caminho!”.
Quando percebi que era vista dessa forma, saí do medo e do susto e adotei o zelo com esse papel e essa responsabilidade. Hoje lido com isso como uma missão. Tenho clareza de que meu propósito de vida é transformar a vida das pessoas por meio do meu trabalho. Ser referência é mostrar o caminho – inclusive meus erros -, porque isso prova que é possível. Mostro os acertos, os desafios, as quedas, as dificuldades, mas ainda assim é uma jornada possível.
Quando sou convidada para dar uma palestra, preparo-me com o máximo de rigor, porque não posso decepcionar. Não apenas porque há quem procure falhas para criticar, mas principalmente porque represento muitas pessoas. Quando subo a um palco, represento várias outras mulheres – e, sobretudo, mulheres negras – que precisam mostrar à sociedade que é possível.
Lido com isso com seriedade, responsabilidade e espírito de missão, semeando para as que virão depois. Costumo dizer que meu papel é facilitar a vida de quem vem depois de mim. Sigo a lógica de não reter o que aprendo, compartilhando como uma espécie de utilidade pública, para que outras pessoas possam se inspirar, se espelhar, aprender com meus erros e simplificar seus próprios caminhos.
Acima de tudo, quero mostrar que é possível, será difícil, mas ainda assim é possível.
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