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Superar a crise e transformar a saúde na trilha do presidente da Unimed-BH

Crédito: Leonardo Morais
Para falar dos resultados alcançados neste primeiro ano e de toda a complexidade do setor de saúde, Peret recebeu, com exclusividade, o DIÁRIO DO COMÉRCIO

Médico cooperado, com mais de 20 anos no setor de saúde público e privado de Minas Gerais em diversas posições de liderança, o ginecologista Frederico Peret assumiu, há um ano, o cargo de diretor-presidente da Unimed-BH. Por quase 10 anos ocupou cargos de gestão na Cooperativa e estava pronto para a nova missão.

Ainda assim, se viu diante de um quadro desafiador em um mercado impactado pela pandemia, com custos majorados, transformação digital em curso, escassez de talentos e um novo e moderno hospital para ser construído em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Esse projeto teve a pedra fundamental lançada em abril. O local terá capacidade para cerca de 300 leitos, incluindo 240 leitos de internação, 30 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 26 leitos de Hospital-dia, Pronto Atendimento adulto e pediátrico 24 horas, bloco cirúrgico, além de um complexo e moderno Centro de Imagem e Laboratório de análises clínicas, ao custo estimado de R$ 350 milhões. A inauguração está prevista para 2026.

Para falar dos bons resultados alcançados neste primeiro ano e de toda a complexidade do setor de saúde, Peret recebeu, com exclusividade, o DIÁRIO DO COMÉRCIO na sede da Unimed-BH, na região Centro-Sul da Capital, para uma conversa franca e objetiva.

A economia, como um todo, ainda se ressente da crise causada pela pandemia. E o setor de saúde foi sobremaneira afetado. Quais os desafios mais urgentes o senhor enfrentou quando assumiu a presidência da Unimed-BH?

Em 2022, nós ainda sentimos muitos impactos da pandemia. Isso ainda vai persistir não só no campo da assistência, mas também da própria reorganização e retomada do serviço. Assumir a gestão no período de transição é sempre um desafio. E, com a necessidade de fazer mudanças e retomar processos que, por uma externalidade bastante negativa, foram parcialmente ou não foram implantados dentro da Cooperativa. Grandes projetos já elaborados precisaram ser aprimorados, ao mesmo tempo em que precisávamos utilizar desses processos para também utilizar o que aprendemos no período da pandemia. Tudo isso em um ano de transição política, que sempre traz impactos para qualquer negócio.

Outro ponto fundamental é esse novo contexto social da pandemia, como a demanda reprimida de clientes, novas visões dos clientes sobre o negócio de saúde e a medicina, a necessidade da implantação e adaptação de estratégias mais rápidas e digitais.

Um desafio igualmente importante era a nova política de trabalho: como equilibrar uma equipe toda em home office ou híbrido e a necessidade de aceleração do processo de governança para, efetivamente, dar conta disso. Isso, sem citar o dia a dia do trabalho de assistência e de projetos que fazem parte de uma grande operadora.

Tudo isso em um cenário de grande pressão psicológica que atingiu a todos, especialmente os profissionais da saúde, médicos e administrativos. Como vocês estão lidando com essa questão da saúde mental dos públicos internos e externos?

Esse é um tema muito sensível. Foram muitas mudanças, tinha o risco da doença, estamos falando de uma era pré-vacina. As situações eram mais agudas e a insegurança, até pela falta de informações, gerou um sentimento muito negativo nas pessoas que precisavam estar presentes no trabalho. Também todas as mudanças relativas ao deslocamento e à dualidade entre o trabalho e a vida doméstica. As decisões eram diárias porque o cenário mudava de uma forma muito dinâmica, havia uma incerteza muito grande sobre o que efetivamente aconteceria. Mas, se existe um ponto positivo, é que nós tivemos a oportunidade de desenvolver novos modelos, repensar nosso espaço do ponto de vista da eficiência, da otimização de processos e um olhar mais generoso para a realidade das pessoas, entendendo suas inseguranças. Eu vejo que, apesar de tudo, estamos passando para uma nova etapa. Quando eu falo de pessoas, falo de todo mundo, de todos que estão no nosso entorno, até mesmo no nosso projeto social.

Crédito: Leonardo Morais

Um desses modelos é a telemedicina. Antes da pandemia, havia muita resistência a esse modelo. Já existia a tecnologia, mas faltava regulamentação e o que existia era muito restritivo. Hoje, o modelo está se ajustando e consolidando. A Unimed-BH está nessa trilha. Qual a importância, do ponto de vista da assistência, de democratizar esse acesso? E do ponto de vista do negócio, pois existe um custo de implantação. Quais possibilidades o atendimento remoto traz para o negócio?

É fundamental. Há mais de cinco anos começamos a desenvolver os projetos e quando veio a Covid-19, estávamos preparados, inclusive, para compartilhar isso com o setor público.

Do teleatendimento Covid, passamos a desenvolver outros projetos. Já atingimos um milhão de clientes de lá para cá. É uma estratégia que ela não é só digital. Ela é “figital”. Não é só promover o acesso através da medicina on-line, mas também monitorar o percurso do cliente com o auxílio das ferramentas digitais.

O segundo ponto é trabalhar programas estruturados. Dividimos essa vertical em duas: o teleatendimento para gestantes, que, obviamente, não substitui de forma alguma o atendimento presencial, mas que vem agregado para resolver pequenas dúvidas e situações que possam ser resolvidas no virtual. A segunda vertical é o monitoramento daquele cliente que precisa de uma orientação melhor de percurso. Um exemplo: populações que sofreram um acidente vascular cerebral, ou têm doenças debilitantes – raras ou não. Esse projeto já é uma realidade e vem crescendo. Com a integração dos nossos sistemas, poderemos oferecer isso a outras singulares do Sistema Unimed, outras operadoras, outras empresas e nossos prestadores terceiros. Com a integração da nossa rede vertical, teremos um verdadeiro ecossistema digital. Isso é muito importante porque dá mais transparência para todo o processo. Isso tem um custo-efetividade, porque vamos melhorar o acesso, teremos um percurso assistencial melhor. Isso se reverte em redução de custo e melhora da eficiência do sistema de saúde suplementar como parte de uma estratégia para que ele seja sustentável. A medicina digital não substitui o contato pessoal com o médico, mas é mais uma ferramenta para que a gente seja efetivamente sustentável.

Vamos continuar na área da tecnologia. Vocês criaram o CIIA – Saúde (Centro de Inovação em Inteligência Artificial em Saúde). Por que é importante ter esse lugar para estudar e aplicar a Inteligência Artificial? Como estão usando a inteligência artificial e por que ela é tão importante de agora para frente?

O uso da IA não é uma novidade para nós. Há mais de cinco anos trabalhamos em projetos de inteligência artificial com foco, inicialmente, nos processos internos, principalmente de auditoria, identificação de riscos e monitoramento de carteiras críticas. Crescemos muito em 2022, então, para dar conta de tantos processos foi necessário um pouco mais de automação. Em paralelo, começamos a ver a necessidade de integrar inteligência artificial aos processos assistenciais, inclusive naqueles processos digitais que eu falei anteriormente, principalmente o telemonitoramento.

E aí surgiu a ideia de trabalharmos com o poder público e com iniciativas do meio acadêmico, compartilhando iniciativas assistenciais e intervenções que possam auxiliar a prática médica na assistência direta aos clientes e outros projetos estruturantes de organização do sistema de saúde.

Claro que toda essa transformação tecnológica e digital exige profissionais habilitados, mas vivemos, não só no Brasil, uma crise muito grave de escassez de mão de obra qualificada. Como resolver esse gargalo?

Tem que investir em formação e buscar parcerias. Dentro da nossa área de Tecnologia da Informação, temos oferecido formação gratuita em processos de tecnologia, inclusive para formar profissionais que tenham domínio em tecnologia em saúde, com algumas particularidades importantes.

Além disso, o negócio em saúde exige uma segurança muito grande porque trabalhamos com dados muito sensíveis. Temos uma questão regulatória importante com a LGPD que nos obriga a investir na formação desses profissionais. É uma iniciativa que a gente já vem fazendo há alguns anos e que vamos incrementar com parcerias estratégicas para formar profissionais com foco no nosso negócio.

Um tema de gestão que também foi acelerado durante a pandemia é o ESG. Todas as empresas precisam agir sobre isso, inclusive as de saúde. A Unimed-BH tem algumas iniciativas muito interessantes. Gostaria que o senhor falasse um pouco delas, especialmente da usina fotovoltaica em Mirabela, no Norte de Minas.

As cooperativas são regidas por sete princípios, e o último é o interesse pela comunidade. Existe aí uma intersecção muito clara com dois pilares importantes do ESG: responsabilidade social e preocupação com o meio ambiente.

As empresas de saúde não podem estar fora disso e isso impacta de uma forma muito significativa não só a questão do cuidado. É um dos grandes desafios que trouxemos para a nossa gestão. No início, foi um trabalho intenso para capitalizar todo o processo que a Cooperativa fez ao longo do tempo. Temos um braço social muito forte, mas também vimos a necessidade de trazer a questão ambiental como parte, realmente, de uma política autêntica.

É uma exigência do mercado, hoje, que a gente tenha políticas que sejam claras. Estamos começando a trabalhar algumas iniciativas importantes. A primeira delas é fazer um diagnóstico mais profundo do nosso estado atual. Então, trouxemos uma consultoria externa que tem trabalhado para mapear todos os processos, em todos os níveis. Entender quais são as nossas contribuições, quais práticas que podem ser aprimoradas. Criamos um comitê de sustentabilidade que está se desdobrando e envolve todas as áreas da cooperativa, incluindo a alta liderança.

Assim, começamos a trabalhar em outras frentes. A usina de energia já existia em Contagem, no espaço em que estamos construindo o hospital, então foi preciso mudá-la. Aderimos a um grande projeto no Norte de Minas. É um empreendimento com mais capacidade de produção. Já utilizamos 100% de energia sustentável que compramos no mercado livre de energia e temos capacidade de expansão na construção das nossas próprias unidades. Então, nosso potencial de contribuição é significativo. E isso fica evidente, por exemplo, na construção do novo empreendimento, em Contagem, que é um hospital com um conceito completamente diferente. Ele não só vai trazer questões de reciclagem, de energia limpa e aproveitamento de água de chuva. É um projeto que pode ser totalmente modificado se tivermos uma nova externalidade, como foi a Covid-19. Isso também é pensar no meio ambiente.

Os profissionais da saúde – médicos e demais profissionais assistenciais e administrativos – são sempre muito respeitados pela população. Pensando nisso, a Unimed-BH, pela sua capilaridade, pode ser um bom veículo de divulgação das práticas de responsabilidade socioambiental?

Voltando ao ESG, a questão do braço social do Instituto Unimed-BH é uma grande vitrine, com a captação de R$ 19 milhões no ano passado. Já são R$ 170 milhões desde a fundação. O Instituto é um importante fomentador de cultura e de práticas sociais no Estado. Além de outros alcances como as cooperativas de reciclagem e todo o trabalho feito com as comunidades. Estamos em 34 municípios de atuação e projetos em mais de 13. Estamos trazendo outra visão para os cooperados, para os nossos colaboradores e todos os públicos relacionados, inclusive nossos parceiros comerciais. O Instituto mostra isso como um motor de transformação social.

Cada vez que um parceiro apoia o Instituto, por meio do imposto de renda, ele pode estar beneficiando a filha de um colaborador, por exemplo. Isso é muito poderoso. Quando trabalhamos desse jeito, geramos valor para a própria comunidade, gerando projetos com impacto direto.

O grande investimento da Unimed-BH, hoje, é o Hospital de Contagem, mas ele não é o único projeto. O que vem por aí?

Contagem é um município importante, que concentra um número muito significativo de clientes. À medida que nós vamos crescendo, vemos a necessidade de estar onde o cliente precisa ser efetivamente atendido. Mas essa é uma organização que não leva em consideração apenas a rede própria. Considera também a rede de prestadores parceiros. Crescemos e também incentivamos os prestadores.

Qualificamos a rede porque em determinados momentos não vale a pena trabalhar uma nova vertical. É melhor incentivar o negócio de um parceiro que venha apresentando indicadores de qualidade que são compatíveis com o que a Cooperativa quer oferecer aos seus clientes.

É uma questão de equilíbrio de rede. Nós fizemos uma mudança de governança pensando nisso nessa nossa gestão. Precisamos de uma fusão de áreas assistenciais. Temos processos da rede vertical que são totalmente semelhantes aos processos que aplicamos aos nossos prestadores terceiros.

O assunto da semana é a questão dos reajustes dos planos de saúde. Não entrando no mérito dos índices e dos preços, que já estão decididos, por que ainda temos, todos os anos, tanta polêmica nessa época? O que está errado na relação entre operadoras, agência reguladora e clientes e como isso pode ser melhorado?

O sistema tem que trabalhar em conjunto. É muito importante que a gente tenha diálogo em relação ao que é, efetivamente, valor em saúde. Do ponto de vista de procedimentos necessários, tratamento que não são eficazes, uma informação de qualidade. Uma boa orientação de percurso para que o cliente possa percorrer o sistema de saúde.

O cliente tem que saber aonde vai e nós temos que saber onde colocá-lo de forma adequada e esses valores precisam bater. Transparência é muito importante para essa simetria de relação. Aí entra a questão do regulador que tem que olhar as duas pontas.

Precisamos olhar um pouco mais para a real necessidade do cliente. O que nós vemos hoje é que o cliente enxerga de uma forma, as operadoras, de outra e a agência de uma terceira. E ninguém está errado. Precisamos trazer efetivamente um novo conceito, que a gente vem discutindo isso ao longo do tempo, e efetivamente quer pensar em valor e não apenas em preço. É isso que precisamos entregar para a população.

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