Sustentabilidade no setor de turismo exige práticas ESG reais

O turismo, um dos setores mais dinâmicos da economia global, enfrenta o desafio de conciliar crescimento econômico com a preservação do meio ambiente e o respeito às culturas locais. De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo sustentável representa cerca de 10% do PIB global e gera milhões de empregos. No entanto, o crescimento desordenado do setor tem causado danos à biodiversidade, aos recursos naturais e ao patrimônio cultural.
De passagem por Belo Horizonte, o CEO e fundador da T&D Sustentável, Camillo Torquato, falou com exclusividade com o Diário do Comércio. Segundo ele, a única forma de se fazer um turismo sustentável é entendê-lo como um negócio que precisa dar lucro e envolver os consumidores nessa jornada.
Para ele, o ESG a qualquer custo é tão nocivo quanto a inexistência de uma política ESG nas empresas.

Com unidades em Belo Horizonte e Juiz de Fora, na Zona da Mata, a T&D Sustentável, startup especializada em economia de água em empresas, hospitais, condomínios e hotéis, já bateu 800 milhões de litros de água economizados por todo o Brasil, com a meta de chegar a 1 bilhão até o começo de 2025.
É possível ter um turismo responsável diante das perdas do setor ao longo da pandemia de Covid-19 que ainda não foram recuperadas?
Sim, é possível, mas não sem ressalvas. A coisa é mais complicada do que gostaríamos. A boa notícia é o nível de consciência do setor. Se fizer uma pesquisa, praticamente todo mundo sabe da importância que é agir nessa direção. A dificuldade segue sendo os custos. Sobre mudança climática é um que todo mundo aqui já tem muita noção do que deve fazer para emitir menos CO2. A respeito da perda de biodiversidade, do empobrecimento da terra e da poluição da água e do ar, precisamos fazer mais. É o que eu digo: “Evitemos”. Na dúvida, evite as ações que você não tem certeza sobre o impacto.
Um ponto importante é que as grandes mudanças começam com alguma ordem de mudança de legislação, algum tipo de modificação legal. E aí depois que o povo, ou seja, nós habitantes, absorvemos aquela decisão e decidimos fazer a modificação que ela realmente ocorre. Em 2020, quando a Black anunciou que tínhamos no mundo aproximadamente 1,5 trilhão de dólares para investir em um empreendimentos sustentáveis, ela disse: ‘A partir de agora todo empreendimento tem que ser ESG a qualquer custo’. E aí já começou mais um ruído: é difícil você conseguir ser muito sustentável sem comprometer a margem de lucro. Sempre que a gente tem uma intervenção em estratégia em prol do ESG mexe na margem de lucro.
Então, como praticar esse “ESG real”?
Antes, para ser sustentável, o custo era mais alto e ainda não existia uma aceitação ou uma disposição do turista, do usuário, em estar disposto a pagar mais caro. Se eu estiver comendo um pão de queijo feito na minha região, porém, já é uma nova realidade. Se eu tivesse retorno de investimento, não faria sentido, não seria sustentável. Se você estiver pensando em buscar práticas sustentáveis, modele o negócio, entenda de que maneira consegue garantir que esse negócio será sustentável financeiramente. Essa é a premissa: é um ESG racional, a gente precisa conseguir trazer para os nossos empreendimentos equilíbrio financeiro.
Pesquisas apontam que 87% dos usuários da base Google preferem adquirir material de consumo e serviços locais e cerca de 90% deles estão dispostos a pagar mais se aquilo tiver alguma interferência sustentável. Olha que coisa interessante.
Você pode dar um exemplo concreto?
Cheguei no hotel hoje, tinha aquele cheiro de pão de queijo. É fantástico você conseguir chegar em um lugar e viver a cultura daquela região e, ainda melhor, quando você entende que aquele queijo é feito pelo produtor local, onde ele fez, e isso é sustentável. E está tudo bem se você cobrar uma diária um pouco mais cara. Eu, como esses 90%, estamos dispostos a pagar desde que haja contrapartida. Transportes ecológicos, já é um hype muito forte em algumas metrópoles. Imagine, quando eu chego em BH, hoje, se eu pego um Uber e vou ao meu destino, volto e acabou ou eu chego em BH, alugo uma bicicleta, passeio pela região e volto. É muito diferente. É uma coisa que tem mais valor. Isso é muito bom e hoje é uma das preferências dos turistas. Também produtos de higiene ecológicos. Produtos que sejam biodegradáveis, orgânicos.
Mesmo com a concorrência de países que não têm as mesmas exigências que o nosso, a gente precisa inserir produtos locais e garantir que esse produto seja reconhecido.
Existe uma espécie de “corrida” pelas certificações. Até que momento elas são imprescindíveis?
Existem negócios que estrategicamente é importante ser certificado, mas para muitos a norma pode ser um farol, sem que seja necessário pagar os custos de uma certificação. No Turismo, é a hospitalidade que garante que o usuário queira voltar. A NBR 15401, até aqui tem dez pilares, falando da questão ambiental, eficiência energética, uso consciente da água, resíduos, alimentação local sustentável, compra sustentáveis, redução de plásticos e proteção da diversidade e bem-estar animal são os top 10 que estão lá dentro e é um documentário de várias centenas de páginas.
O gestor precisa entender o que financeiramente ainda não é viável, mas manter uma busca constante pelo o que pode ser feito em todas as esferas da empresa de maneira transversal, criando cultura.
Muito tem se falado no crescimento de um movimento anti-ESG no mundo, principalmente depois da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e até mesmo do fim do ESG. Se o ESG é uma cultura, como podemos fazer para salvar essa mentalidade?
O ESG não acabou. O que acabou foi a forma como ele era imposto, como foi posto, em 2020, pela Black Rock. Existem alguns empreendimentos que para atender algumas normativas ambientais, vão quebrar e, querendo ou não, o maior dos direitos que existe é o direito ao pleno emprego, o direito de você ter condições de se sustentar. Quando você impõe para um empreendimento que ele tem que atender alguma pauta ambiental, você acaba deixando ali algum problema financeiro. O relatório atual não fala mais tão expressamente sobre sustentabilidade como em 2000. Ele fala de negócios.
Precisam buscar atender essas normas e garantir a viabilidade financeira. Os investidores precisam ter retorno porque a mão do mercado define tudo. Hypes como o metaverso e as criptos também passaram. Começaram como ondas avassaladoras, que iriam mudar o mundo, mas agora se assentaram, são importantes, mas tomaram a devida proporção, sendo absorvidas pelo mercado.
O ESG surgiu como uma avalanche, e agora vai ficar a onda remanescente e tem que ficar porque o planeta precisa porque é muito anti-sustentável abrir mão das boas práticas. Eu preciso ser eficiente na gestão dos meus recursos financeiros, tributos. Tem coisa melhor para os negócios do que eficiência, fazer mais com menos, gerar mais valor com menos recursos?
No final das contas, o ESG faz parte do modelo econômico atual. O que não pode mais acontecer é o ESG a qualquer custo. Se o negócio for morrer, é preciso ponderar e ver de que forma conseguir atender as normativas sem precisar quebrar.
Desde sempre o Brasil apontado pela sua potência natural, pela criatividade do seu povo, e a partir do momento em que os temas da sustentabilidade começam a subir, o País é visto como um possível celeiro de soluções, de tecnologias e como fornecedor de soluções também. A pergunta é: o Brasil vai conseguir consolidar a sua potência para ser um líder nessa transição para um mundo, pelo menos, menos cinza?
Depende de algumas coisas: o brasileiro é criativo e temos recursos naturais absurdos. Temos diversos tipos de minérios, temos a biodiversidade, a farmácia do mundo é o Brasil. O ponto é que precisamos de incentivos. É fato que aqui é muito difícil empreender. Vejo que seria necessária uma política de inovação mais robusta.
Temos um regime tributário que dificulta o empreendedorismo, regimes de trabalho que dificultam a escalada de negócios. A inovação tecnológica vem do setor privado junto com as universidades. Se tivéssemos incentivos mais fortes para empresas, poderíamos desenvolver novas tecnologias e patentes. O Brasil é um país que deposita poucas patentes em comparação com a Europa e os Estados Unidos. Precisa de desenvolvimento tecnológico.
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