Turnover revela aspectos gerenciais das empresas

No mercado de trabalho as oportunidades parecem funcionar como uma porta giratória. Não se abrem, não se fecham. Estão quase sempre em um movimento contínuo. Entre talentos que escapam e pessoas que buscam benefícios mais ajustados à realidade, o movimento do turnover – ou rotatividade –, como é chamado, tem uma explicação socioeconômica.
Lúcia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho, explica que as raízes do turnover são históricas. Para compreender o movimento no País, ela lembra da matriz colonial e das desigualdades que são marcas perpetuadas até os dias de hoje.
E como o mercado se relaciona com essa construção histórica? Lúcia Garcia explica que nos anos 1990, diante de pressões americanas, o Brasil e outros países precisaram fazer reformas. Algumas delas são reconhecidas facilmente: as privatizações e abertura econômica. Essas encontraram espaço principalmente nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.
De forma prática, essas ações macroeconômicas causaram uma ruptura no mercado de trabalho. Naquele momento em que as empresas ganharam espaço para importar e exportar produtos, uma primeira onda de desemprego marcou o País. Um segundo momento ocorreu com a chegada dos governos mais populares, encabeçados por Lula e Dilma. Naquela época, tentativa de criar proteção para os mais pobres sem que isso atingisse classes com poder econômico elevado, o mercado respondeu com o turnover.
O que é o turnover e por que acontece?
A economista Lúcia Garcia explica que a rotatividade é, essencialmente, uma curta permanência do trabalhador em um posto de trabalho. Essa dispensa pode acontecer por desejo do empregador ou de forma voluntária pelo trabalhador. No primeiro caso, o dono de um negócio utiliza a contratação em curto período de tempo para dar conta da instabilidade da demanda.
“Ele (o empregador) não tem segurança de que vai conseguir um resultado consistente e consolidado de mercado para a sua empresa. E usa a rotatividade para baratear o custo da força de trabalho e responder à instabilidade da demanda. Há também uma prática que segue a lógica de substituir um trabalhador já experiente e que está valorizado por outro”, explica.
Por outro lado, o empregado aproveita o mercado aquecido para buscar novas oportunidades. Considerando a realidade atual, em que a inflação reduz o poder de compra de milhões de famílias, o empregado busca um novo emprego porque o atual sequer paga a sua manutenção, aponta Lúcia Garcia.
Turnover nos dias de hoje
A economista Lúcia Garcia analisa também o movimento de rotatividade nos dias de hoje. Para ela, esse novo marco recente do movimento está relacionado à estagnação da economia e às necessidades básicas do trabalhador, como a de colocar comida na própria mesa. Essa realidade corrobora para que os trabalhadores aceitem a primeira oportunidade que aparece.
“O turnover funciona hoje da seguinte forma: o rendimento é tão baixo que não compensa para o trabalhador estar naquele emprego. Isso porque o deslocamento é longo. Ou, se você pensa em uma mulher, em uma mãe, ela tem que pagar uma creche que chega a ser mais cara que o salário. Uma empresa paga o plano de saúde e outra não… E assim o trabalhador toma a iniciativa de sair de um posto de trabalho por 100 reais ou 200 reais. Porque para ele isso vai fazer muita diferença, até para ir comprar uma caixa de leite que está a mais de R$ 7 no mercado”, afirma Lúcia Garcia.
Para o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos — Seção Minas Gerais (ABRH-MG), Leandro Pinho, a presença de benefícios e valores é fundamental.
Nos dias de hoje, principalmente, ele conta que as pessoas buscam ideais que se assemelham aos seus. Ele defende, ainda, que as empresas busquem alternativas para não arcar com altos custos demissionais, mas por uma questão de perda de conhecimento.
“As pessoas precisam estar atentas ao turnover agora, já que existe um crescimento nos pedidos de dispensa. É preciso pensar em flexibilizações e buscar benefícios mais completos. Entender se a remuneração está compatível com o mercado de trabalho e eliminar culturas tóxicas. A nova geração não está se submetendo a realidades que não sejam compatíveis com seus valores. E pensar em turnover é pensar em perda de conhecimento. Quanto mais uma empresa investe em retenção, mais capacidade e qualidade se perpetua na organização”, aponta Pinho.
Um caminho de perdas
A perda de conhecimento não é um prejuízo que apenas os negócios amargam. A sociedade como um todo está fadada a limitações expressivas. Lúcia Garcia lembra que o problema-chave da rotatividade é que ela impede as pessoas de se qualificarem. Isso porque a qualificação, conforme defende, chega por meio da prática, da experiência.
“Nós não nos qualificamos. E, ao fazer isso, nós nos colocamos como um País que tem negócios de produtos de baixo valor agregado. É o conhecimento que eleva a qualidade do produto. Um país que pratica a força de trabalho barata, sem planejamento econômico, é um país pobre”, complementa.
Ainda de acordo com Lúcia Garcia, enquanto a sociedade se conforma com o trabalho barato, menos investimentos chegam à educação e à ciência e tecnologia. Como alerta, a economista lembra que uma próxima onda de rotatividade pode ser derivada da desqualificação humana causada pelo emprego de automatizações. O que, mais uma vez, simplifica a atividade de grande parte dos trabalhadores e limita o conhecimento a uma parcela pequena da população.
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