Usiminas busca sustentabilidade com a reforma do alto-forno 3

Com produção de cerca de 4,5 milhões de toneladas de aço por ano, a usina de Ipatinga, no Vale do Aço, da Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas) vive, neste momento, importante processo de modernização com a reforma do alto-forno 3. Sob investimentos totais de R$ 2,7 bilhões, a obra vai permitir a otimização da produção na planta, bem como melhorias no tratamento ao meio ambiente, com a redução de gases de efeito estufa.
Porém, os aportes da companhia previstos para o exercício em todo o País vão além e somam cerca de R$ 3,2 bilhões. Deste total, pelo menos R$ 2 bilhões estão sendo aplicados na planta mineira e contemplam não apenas a reforma da estrutura, mas também intervenções na aciaria, no pátio de carvão e minério e em uma das coquerias.
Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, o presidente da Usiminas Alberto Ono falou sobre essas e outras iniciativas da empresa em vistas de garantir a competitividade do negócio. Neste sentido, o executivo afirmou que futuras intervenções nos altos-fornos 1 e 2 de Ipatinga não estão descartadas e que poderiam ocorrer a partir de 2027. Até lá, a empresa estuda a melhor estratégia para as adequações: reforma ou troca dos equipamentos.
Ono também abordou outros assuntos como a mudança no controle de acionistas, os esforços da companhia na transição energética e descarbonização da cadeia produtiva, cenários externos e interno, incentivos do governo federal para o setor automotivo e o consumo de aço per capita no País.
Quais são os investimentos em curso neste momento pela Usiminas?
Estão previstos R$ 3,2 bilhões para 2023, dos quais, mais de R$ 2 bilhões apenas para a usina de Ipatinga. Um dos principais é o alto-forno 3, mas também estamos reformando a aciaria 2, mexendo em áreas como o pátio de carvão e minério e há ainda a recuperação de uma das coquerias. Há destaque no alto-forno 3 porque é o maior da unidade, mas também estamos aproveitando para mexer nos demais, já que numa situação normal não poderíamos pará-los, porque a planta funciona em cadeia.
E como está o andamento da obra?
Já temos mais de 6 mil pessoas envolvidas, número deve chegar a quase 9 mil no pico, em julho. O investimento é considerável: R$ 2,7 bilhões. Estamos fazendo esses investimentos visando a sustentabilidade do negócio e cumprir com nossas responsabilidades. Essa reforma é um processo de alta complexidade e basicamente envolve a substituição quase completa do equipamento, o qual é o maior da usina. Depois da reforma, o forno estará pronto para operar pelos próximos 15 ou 20 anos e os outros equipamentos também terão que, de alguma forma, durar esse período, por isso estamos fazendo intervenção em várias áreas. Teoricamente, teríamos que fazer uma reforma nos altos-fornos menores a partir de 2027 ou 2028, mas ainda estamos avaliando. São outros dois altos-fornos menores e, em termos de tecnologia, mais antigos. Então, talvez não adiante apenas uma reforma.
Seria mais viável construir novos? Por quê?
Essa é a questão. Precisamos analisar o que é melhor, porque quando consideramos, por exemplo, a descarbonização, com tantas mudanças tecnológicas, pode ser que tenhamos que avaliar outras rotas de produção. E como isso deve ocorrer apenas em 2027, temos tempo para discutir o que fazer. A reforma do forno 3 começou a ser discutida em 2016, por exemplo. Os demais exigirão uma avaliação um pouco mais profunda, porque os próximos investimentos já exigem mais um olhar para esse quesito, mas também precisam ser técnica e economicamente viáveis. No Brasil já temos rotas que produzem aço com carvão vegetal, cuja emissão líquida de carbono, teoricamente, é muito menor. Mas existe uma barreira de escala. Isso funciona para usinas com escala menor, que chega a 1 milhão de toneladas de aço por ano. O segmento de vergalhão já faz uso, mas quando falamos de uma usina como a nossa, que produz 4,5 milhões, é um pouco diferente. Além disso, existe a alternativa de usar um processo que chamam de redução direta, com gás natural ao invés do carvão e que emite a metade de CO2. Também é viável e várias usinas no mundo já usam esse processo, mas funciona quando você tem um gás natural abundante e competitivo em termos de custo. Infelizmente, no Brasil, o gás natural é caríssimo e não teríamos cliente que aceitaria pagar o custo desse material. Neste caso, é tecnicamente viável, mas não do ponto de vista econômico.
A reforma do alto-forno 3 vai permitir aumentar a capacidade produtiva da planta? Também envolve ganhos em sustentabilidade?
Até então, estávamos limitando um pouco a operação do equipamento, por conta do desgaste e do tempo de operação. Agora, após a reforma, poderemos operá-lo em sua capacidade nominal, o que significa uma recuperação de cerca de 20%. Ou seja, na verdade, estávamos operando abaixo da capacidade original dele, que é de 3 milhões de toneladas. Assim, no total, a usina de Ipatinga soma 4,5 milhões de toneladas. A reforma prevê, primeiro, garantir que a gente vai ter o principal equipamento funcionando por mais 15 ou 20 anos. Segundo, a modernização geral do equipamento, que vai permitir maior eficiência e menores custos. Isso também significa menores consumos de uma matéria-prima, que é o carvão. Então, teremos menos emissão de CO2 e a consequente redução do efeito estufa.
Este nível de operação é suficiente para atender à demanda atual?
É difícil prever se será necessário aumentar nos próximos anos, pois dependerá do mercado. O objetivo é garantir uma estrutura operacional econômica na produção em Ipatinga. No ano passado, produzimos cerca de 3,5 milhões de toneladas de aço. Além disso, temos a operação de produção em Cubatão (SP), onde compramos placas e laminados, totalizando cerca de 1 milhão de toneladas. Esse é mais ou menos o balanço entre a produção própria e a otimização da produção em Cubatão. Vendemos aproximadamente 4,2 milhões de toneladas no ano passado. Teremos mais capacidade, teoricamente, após a reforma, mas o mercado atual continua longe do pico histórico de consumo de aço. Em 2013, por exemplo, o consumo aparente de aço plano era de cerca de 14 milhões de toneladas, enquanto atualmente estamos em torno de 4 milhões. Ainda há espaço para crescer, se necessário, mas mantemos um equilíbrio entre as produções de Ipatinga e Cubatão, usando esta flexibilidade. Uma vantagem que observamos, especialmente durante a pandemia, é que em Cubatão, ao comprar placas e laminados, é mais fácil reduzir a produção do que desligar os fornos, o que é uma decisão difícil de tomar e retomar. Portanto, tentamos manter Ipatinga funcionando de forma estável e otimizada, com a capacidade de absorver a situação do mercado.
Quanto da produção da Usiminas hoje vai para o mercado externo?
Nos últimos anos a gente tem flutuado em torno de 85% a 90% de mercado interno e 10% a 15% de exportação. No passado, antes de 2010, era mais ou menos 65% de mercado interno e 35% de exportação. O que mudou? Principalmente a demanda chinesa, que elevou muito a produção. A curva de aumento de produção na China é algo impressionante. O país dobrou a capacidade em menos de uma década e isso gera um desequilíbrio no mundo. No passado, o Brasil era um grande exportador para os Estados Unidos, Europa e Ásia. Hoje, é a China.
E como estamos em relação ao restante do mundo em termos de consumo de aço per capita?
Estamos flutuando em 120 kg por habitante desde a década de 1980. É um dado muito triste, porque reflete o que vivemos. Ao observar a curva dos outros países, vemos, por exemplo, que na década de 80, a Coreia do Sul era parecida com o Brasil, com um consumo de cerca de 120 kg por habitante. Hoje, a Coreia tem 900 kg e a gente continua no mesmo patamar. O México também já passou de 200 kg. O que distingue um país que avança de um que fica estagnado? Primeiro a amplitude do parque industrial e os investimentos em infraestrutura. Nos países desenvolvidos, uma parte importante do consumo de aço vai para a infraestrutura. E aqui ainda temos uma infraestrutura muito deficiente. E se pensarmos em estradas, aeroportos, ferrovias e energia também têm deficiência.
Quais são as metas da Usiminas para o clima? Existe um plano para descarbonização da cadeia?
Estamos no terceiro ano de inventário de carbono, feito anualmente. Nossa meta já está estabelecida e estamos analisando qual é a melhor estratégia a seguir. Isso ainda está em discussão, pois estamos tentando criar metas factíveis e que efetivamente serão alcançadas. Na nossa visão, há muitas promessas que ainda não têm garantias de que serão cumpridas. Não prometemos algo que não seja viável e possível de ser feito. Essa é nossa essência. A gente quer ser muito claro e transparente. Internamente, temos um grupo de trabalho para discutir esse assunto.
Em termos de sustentabilidade há outras ações?
A parte do meio ambiente é o que é mais demandado hoje. Mas quando falamos em sustentabilidade há também a parte social. Nisso já atuamos há bastante tempo, desde a questão da Fundação Francisco Xavier na área da saúde à nossa participação cultural, com o Instituto Usiminas. E também há uma preocupação significativa com a sociedade e com as pessoas que estão ao redor das nossas operações, principalmente em Ipatinga, já que lá é a maior operação, mas também em Cubatão (SP) e em outras localidades onde temos operações significativas.
A Mineração Usiminas (Musa) foi um dos primeiros grandes empreendimentos do País a adotar um sistema de disposição de rejeitos filtrados, com o método Dry Stacking na unidade de Itatiaiuçu (RMBH). Esta já foi uma preocupação em termos de meio ambiente?
O equipamento nos permitiu deixar de ter barragens em operação. Tínhamos três: duas que já estavam desativadas e se encontravam em processo de descaracterização e agora a última, maior, em Samambaia, cujo processo já era mais seguro, e que também já não está mais em operação, mas ainda está sendo descaracterizada. Esse processo deve durar dois anos. Esses nossos processos começaram antes mesmo das tragédias ocorridas com barragens em Minas Gerais.
Como avalia as metas climáticas estabelecidas pelos governos e os incentivos dados por eles?
A abordagem no mercado internacional é diferente. Em termos de eletrificação dos veículos, por exemplo, se for, efetivamente nisso que o Brasil vai apostar, temos que ter uma discussão de quanto isso vai custar, porque mudanças tecnológicas implicam custos. E este custo precisa ser dividido entre todos os partícipes da sociedade. Exigir que uma indústria seja zero carbono implica em aumento de custo e de produto. Não tem mágica. Novas tecnologias são mais caras, exigem mais investimentos e geram um custo maior de operação. Pelo menos até o negócio entrar no novo processo. É preciso equacionar. Se fosse como lá fora, com incentivo e se usasse dinheiro barato para fomentar e financiar o investimento… mas só impor para a iniciativa privada apenas gera impacto para a sociedade. O nosso empilhamento a seco, por exemplo, impõe custos maiores e isso está fazendo o preço do minério de ferro, que antes era viável, aumentar. Antes produzíamos a tonelada por x dólares, hoje esse custo aumentou, porque estamos utilizando uma tecnologia que é importante e mais segura, mas mais cara.
O resultado do 1º trimestre foi menor que o apurado no ano passado, quando considerado o lucro líquido. Como deverá ficar o desempenho da empresa no 2º trimestre?
Já indicamos ao mercado que, em termos de volumes de vendas, comparando com o primeiro trimestre, deveremos ter um nível um pouco menor. Estamos enxergando um movimento global de vendas menores e o mercado interno está bastante estável. Isso deve reduzir um pouco nossas exportações. Além disso, haverá impactos da parada do alto-forno 3. Temos um foco de priorizar o mercado doméstico e o mercado externo está bem complexo, porque a China está com excedente de produção. Com isso, até o preço está deprimido.
E pensando na demanda interna, as medidas anunciadas pelo governo para o setor automotivo vão trazer algum benefício para a Usiminas?
Existe uma conta que o setor automotivo está fazendo. São R$ 500 milhões em incentivo para cerca de 100 mil veículos. A pergunta é: esses 100 mil veículos são em cima do que já era esperado em termos de produção ou do que seria a projeção do ano e está sendo antecipado? Porque não adianta antecipar e depois cair. No fim do ano teremos a mesma quantidade de veículos comercializada. De toda maneira, o foco do plano são as reduções nos preços dos veículos, por isso, pode ser que tenhamos um volume maior de vendas e um impacto positivo para a siderurgia. Isso também porque o pessoal percebeu que exagerou um pouco nos preços, já que os valores dos carros nesses últimos dois anos e meio subiram absolutamente, acima da corrente inflacionária e dos preços de insumos como o próprio aço. Esse teve até redução de preço.
E como o preço do aço está hoje?
Vinha tendo, até o início do ano, uma perspectiva de mais estabilidade no mercado internacional. Mas depois teve sinais de aquecimento da economia chinesa, o que impactou a demanda interna do país e os preços do aço também começaram a cair. Agora, até o começo de junho, havia um viés de queda e agora inverteu novamente a curva, indicando alguma recuperação. Acho que o pessoal viu que exagerou um pouco na queda e começou a ter preocupações em termos de rentabilidade. Mas ainda depende muito de como vai ser a recuperação na economia chinesa, porque, no final, o preço do aço reflete muito a relação entre oferta e demanda e o consumo, que, no caso da economia chinesa, ainda depende muito de investimento em infraestrutura e imobiliário. Essa é a tendência global. Aqui no Brasil até tivemos alguns anúncios de reajustes por parte das siderúrgicas, mas depois, como começou a enfraquecer, o preço está basicamente estável. Para onde vai, só o mercado sabe.
O que muda, do ponto de vista da gestão, o grupo Ternium (T/T) ter fechado um acordo com a Nippon Steel (NSC) e assumir o controle da companhia?
Nossa diretoria entende que vai ser positivo para a empresa em termos de ter um processo de tomada de decisão mais rápido. Porque dentro da governança estabelecida no último acordo de acionistas da Usiminas, previa-se um equilíbrio entre os dois grandes acionistas. Então, para as grandes decisões era necessário um consenso. Se um dos acionistas principais não concordasse, não se conseguia aprovar nada. E são dois grandes grupos siderúrgicos, duas empresas com histórico, visões e culturas empresariais diferentes. Têm assuntos que eles concordavam de cara, mas têm assuntos que eles têm opiniões distintas. E o mundo de hoje pede previsibilidade e tomadas de decisão rápidas.
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