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Vinho mineiro pede mudança em regime de impostos

Produtores de vinho de Minas Gerais perdem competitidade por causa do ICMS-ST. Preço do produto mineiro pode ser mais barato fora do Estado.
Vinho mineiro pede mudança em regime de impostos
Em 2022, o Brasil produziu 3,2 mi de hectolitros de vinho, menos de 1% da produção mundial | Crédito: Wenderson Araujo / Trilux

Cada vez mais consumidos e reconhecidos por especialistas pela sua qualidade, os vinhos produzidos em Minas Gerais têm conquistado prêmios e avançado sobre o mercado. Segundo produtores, porém, a alta carga tributária e, principalmente, o modelo de substituição tributária são empecilhos para que o produto se mantenha competitivo frente à produção de outros estados e aos importados.

A maior reclamação é sobre o ICMS, imposto estadual cuja alíquota em Minas Gerais é de 25%, bem maior que na maioria dos estados produtores. De acordo com a presidente do Sindicato da Indústria do Vinho do Estado de Minas Gerais (Sindvinho), Heloísa Bertoli, o vinho é tributado no sistema de cobrança antecipada de ICMS, que também é conhecido como Substituição Tributária (ICMS-ST). Esse formato exige o recolhimento do tributo no início da cadeia produtiva.

“A antecipação do tributo das etapas subsequentes, de forma presumida, obriga o produtor a dispor de recursos de caixa, a serem retirados do giro do negócio – o que sufoca a liquidez. Outra opção é buscar fontes de financiamento para o pagamento do imposto no sistema financeiro e enfrentar as taxas de juros brasileiras. Essa tributação acaba por desestimular a atividade vinícola mineira. Por isso, os produtores desse setor, reivindicavam uma mudança no sistema de cobrança antecipada”, explica Heloísa Bertoli.

A proposta do Sindicato é uma revisão do uso da substituição tributária para o setor vinícola mineiro, suspendendo a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de vinhos quando produzidos por estabelecimentos industriais localizados no Estado, como fez o Estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Com isso, a carga de impostos sobre o produtor seria reduzida, melhorando o fluxo financeiro, permitindo preços mais acessíveis e aumento das vendas.

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Nota técnica produzida pelo Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT) destaca que a produção de vinhos no Estado não é vantajosa para os produtores locais – sobretudo os de pequeno e médio portes – e desestimula novos investimentos, considerando o cenário de tributação atual no Estado, em comparação à de outros estados produtores.

O documento foi apresentado à Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) e à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede) em agosto.

“Com a manutenção do ICMS-ST sobre vinhos nacionais em operações internas, Minas perde a cada dia uma grande oportunidade de fomentar a indústria vitivinícola do Estado (que é o berço da tecnologia da dupla poda) – e a reboque todos os respectivos benefícios à população do Estado e, paradoxalmente, incentiva o investimento em estados vizinhos. Para os produtores optantes pelo Simples Nacional (notadamente os de menor porte) e do Lucro Presumido (médio porte), o desincentivo a plantar uvas viníferas e produzir vinhos finos em Minas Gerais é ainda maior”, conclui a Nota do IMDT.

O assunto motivou uma reunião nas Comissões de Desenvolvimento Econômico, de Agropecuária e Agroindústria e Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no início de agosto.

“A reunião foi muito produtiva com a possibilidade de apresentação do setor para a sociedade. Conseguimos obter várias recomendações para o governo mineiro, visando a melhoria da infraestrutura, especialmente em relação às estradas, e incentivo a atração de fornecedores de insumos para o Estado, bem como uma programação enogastronômica de divulgação do vinho mineiro via eventos culturais e realização de feiras”, avalia a presidente do Sindvinho.

A mobilização do setor é vista como fundamental para que a demanda sensibilize a classe política. Para o diretor-presidente da Luiz Porto Vinhos Finos, Luiz Roberto Monteiro Porto Júnior, o principal pedido do setor é a mudança do modelo tributário, muito mais do que a diminuição da alíquota. A vinícola está sediada em Tiradentes, no Campo das Vertentes.

“Esse modelo de cobrança antecipada – que pode chegar a quase 120 dias – faz com que a gente fique com o capital imobilizado para o pagamento do imposto ou, pior, recorra ao sistema financeiro para dar conta dessa obrigação. Isso reduz a nossa competitividade, a margem de lucro e a capacidade de investimento. Esse dinheiro poderia ser usado para melhorias dos processos, melhores condições para os nossos colaboradores, divulgação e até na diminuição do preço para o consumidor. Hoje o consumidor de São Paulo paga mais barato nos meus vinhos do que o mineiro”, reclama Porto Júnior.

Produção de vinhos premiada

Em 2022, o Brasil produziu 3,2 milhões de hectolitros de vinho, o que corresponde a menos de 1% da produção mundial (de 258 milhões de hectolitros) e o classifica como 15° maior produtor mundial. Já Minas Gerais, tradicional produtora de vinhos de mesa (de uvas americanas), a partir dos anos 2000, entrou definitivamente no roteiro brasileiro e mundial dos vinhos finos, com o desenvolvimento, pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), da técnica da “dupla poda” ou “colheita de inverno”, que permite a produção de uvas de altíssima qualidade nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e no Sul da Bahia, que, por sua vez, geram “vinhos de inverno”, mudando de patamar de qualidade a produção de vinhos no Brasil.

Prova da qualidade dos vinhos de inverno é o recebimento de inúmeros prêmios nacionais e internacionais por micro e médias vinícolas dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Bahia, dentre eles o da Decanter World Wine Awards (conhecido como “o Oscar dos vinhos”), em que vinhos mineiros de microproduções receberam medalhas de ouro e prata e foram os rótulos brasileiros mais bem pontuados de 2022 (Sacramentos Vinifer, de Sacramento, no Alto Paranaíba – 92 pontos) e 2023 (Vinícola Ferreira, de Piranguçu, no Sul de Minas – 96 pontos).

Também no Sul de Minas, entre os municípios de Boa Esperança e Campos Gerais, a vinícola Maria Maria coleciona prêmios. De acordo com o diretor comercial da Vinhos Maria Maria, Eduardo Junqueira Nogueira Neto, a técnica da dupla poda revolucionou o plantio da uva e a produção de vinhos no Brasil, mas justamente o Estado onde ela foi criada não tira a melhor vantagem desse desenvolvimento.

“A questão do imposto já vem de bastante tempo. A maioria dos outros estados produtores já derrubou o ICMS-ST, mas aqui ainda não. O imposto é uma variável que entra na composição do preço, então eu perco competitividade. Estamos em um momento muito interessante de mercado. Há 20 anos, a dupla poda abriu muitas portas, incrementando a qualidade dos produtos. De cinco anos pra cá, tem aumentado a produção e o consumidor tem aceitado mais. As premiações ajudam na divulgação, mas precisamos de criar condições reais de competir no mercado nacional”, avalia Nogueira Neto.

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