Opinião

A aventura extraordinária de Nonô

A aventura extraordinária de Nonô
Crédito: Divulgação

Cesar Vanucci*

“Sua aventura vital foi extraordinária!” (Afonso Arinos, adversário político, sobre JK)

Dá pra imaginar o que, no vigor de seu espírito criativo e capacidade empreendedora, adornados por inabalável crença democrática, Juscelino seria capaz de fazer, se ainda entre nós. Consciente das coisas da atualidade, teria participação decisiva nos debates de interesse da Nação. Não fica difícil conceber os procedimentos que adotaria.

É certo que estaria denunciando os imperdoáveis equívocos das políticas econômicas desumanizadas, desprovidas de sentido social. Estaria, seguramente, condenando as exigências descabidas, em nome de falsos conceitos globalizantes, das grandes potências no relacionamento com os países emergentes. Estaria condenando a corrupção e dando um basta à recessão.

Convocando todos para febricitante arrancada desenvolvimentista. O brasileiro JK estaria, nesta hora, esforçando-se por manter incólume a identidade do Brasil, a imagem autêntica de um Brasil bem brasileiro. Indoutrodia, o economista Delfim Netto, ministro influente nos governos militares, dizia que o Brasil se tornou país tristonho, cabisbaixo.

Com JK, com alguém sintonizado com as ideias e seu estilo gerencial, o Brasil seria, fatalmente, um país alegre, em perfeitas condições de empregar suas imensas potencialidades na superação dos desafios conjunturais, escalando, com firme decisão, as ladeiras do desenvolvimento econômico social antevisto em seu destino.
Já contei e volto, prazerosamente, a fazê-lo.

O escritor Cláudio Bojunga, no excelente livro “JK, o artista do impossível”, relata episódio de sabor todo especial. Alude à primeira visita de dona Júlia Kubitschek a Brasília. Da janela do hotel, empolgada com os contornos da metrópole erguida em tempo recorde no descomunal vazio do Planalto Central, numa proeza incomparável na história contemporânea, ela exclamou: “Só mesmo Nonô pra fazer tudo isso!” Esse Nonô!

Na Presidência e, depois, na dolorida jornada do exílio, Nonô estabeleceu ligações com personalidades de todos os continentes. Nas palestras realizadas no exterior tinha sempre uma palavra otimista com relação à terra natal.

Nonô foi carismático, generoso e conciliador. Converteu em amigos inimigos rancorosos. O caso mais famoso envolve Carlos Lacerda, que veio a ser seu companheiro na “Frente Ampla”, uma tentativa das lideranças de expressão, banidas do jogo político pela ditadura de 64, de devolverem a democracia ao Brasil.

Estas palavras, retrato perfeito, sem retoque, de JK, pertencem a Lacerda: “Esse homem de paz era um combatente. Porque era um verdadeiro renovador, era também generoso. No horror à vingança, à mesquinharia, à mediocridade, fundou sua atitude diante da vida.”

JK recebeu, no governo, a visita de Foster Dulles, expoente da “linha dura”. O secretário de Estado americano tinha dificuldades para entender os latinos e direcionava obsessivamente seu trabalho no combate, conforme sublinhava, ao “comunismo ateu”.

Bojunga conta como foi o encontro. Dulles já havia proposto nove fórmulas, todas recusadas pelo presidente brasileiro, para uma declaração conjunta. Insistia num documento que utilizasse surrados jargões da “guerra fria”. JK considerou as ponderações fora de propósito.

O documento, insistia, deveria conter essencialmente um compromisso com o desenvolvimento e a prosperidade social. A nota final não incluiu as propostas do secretário. JK reagiu ainda à arrogância de Dulles, que queria assinar a declaração, mesmo sendo funcionário de escalão inferior, juntamente com o presidente do Brasil. A conduta altiva não desestimulou Dulles de registrar que “o presidente do Brasil trata o desenvolvimento com a fé dos místicos.”

Desfrutando de enorme simpatia popular, JK foi pressionado politicamente a promover reforma constitucional que lhe garantisse novo mandato. Desfez, de forma categórica, a possibilidade.

Sua eleição para outros mandatos era tida como líquida e certa. Os acontecimentos posteriores, retirando o Brasil dos trilhos da democracia, alvejaram-no inclementemente. Teve o mandato cassado quando representava Goiás no Senado.

O último discurso como parlamentar é uma obra prima de afirmação democrática e de crença nos valores nacionais. Injuriaram-no, impuseram-lhe humilhações. Fizeram de um tudo para calar-lhe a voz, numa tentativa de diminuir a importância de seu incomparável papel no teatro da história.

Tudo embalde. “De todos nós, é o nome dele que vai durar mil anos. Juscelino estará na memória das gerações porque sua aventura vital foi extraordinária!” Palavras de um adversário em tempos idos, Afonso Arinos.

*Jornalista ([email protected])

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