A confusa hora política
Cesar Vanucci*
“… fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora…” (Beaumarchais, dramaturgo anotando um preceito político)
Como a temática política galvaniza no momento as atenções, achamos por bem reproduzir, linhas abaixo, as intrigantes definições sobre “política” de célebre dramaturgo francês. Pierre Augustin Caron de Beaumarchais, considerado por biógrafos figura emblemática do “Século das Luzes” (XVIII), foi, aliás, muito mais que um brilhante dramaturgo. Escritor, músico, poeta, instrumentista, professor, inventor, homem de negócios que amealhou fortuna, exerceu também, vivenciando ascensão social fulminante, a carreira diplomática.
Participou de missões secretas a serviço do governo francês, garantindo apoio relevante à causa da insurreição das colônias inglesas plantadas na América. Insurreição que acabou resultando, como sabido, na constituição dos Estados Unidos. Duas obras de sua autoria ofereceram base para libretos de óperas de Rossini e Mozart: “O barbeiro de Sevilha” e “As bodas de fígaro”.
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Seus ditos sobre política soam atuais, apesar da longa distância de tempo percorrida desde que proferidos. Imaginamos que o leitor venha a concordar com tal observação. Cuidemos, agora, de ouvir, com atenção, Beaumarchais: “… fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora; entender o que não se compreende e não escutar o que se ouve; sobretudo, poder acima de suas forças; ter frequentemente como grande segredo ou esconder que não se tem segredos”; (…) “parecer profundo quando se é apenas, como se diz, oco e vazio; desempenhar bem ou mal um papel”; (…) “procurar enobrecer a pobreza dos meios pela importância dos objetivos: eis toda a política (…)”
Finda a leitura da fala de Beaumarchais, indagamo-nos sobre se não daria pra enquadrar nos conceitos alinhados certas situações, pra lá de desconcertantes, observadas na campanha eleitoral em curso no pedaço brasileiro. Como, por exemplo, as que são na sequência narradas.
Provido de forte carisma e indiscutível popularidade, Lula é uma referência maiúscula no processo, ainda que encarcerado. Idolatrado por um lado, execrado por outro, terá sem sombra de dúvida participação decisiva nos resultados da pugna eleitoral. Adeptos e simpatizantes embalam a expectativa de que sua interferência possa ser altamente benéfica. A ponto até de concederem mais realce, na propaganda divulgada, à sua figura, do que aos programas e propostas apresentados. Em campos opostos, ocorre fenômeno bem diferenciado. A turma lança mão de malabarismos retóricos, desvencilhando-se da mais tênue associação dos candidatos com os dirigentes das correntes partidárias a que se filiam.
Pessoas caídas em desgraça, mas indoutrodia ainda na crista da onda. Casos de Temer e de Aécio, celebrados em verso e prosa, bem recentemente, vistos por muitos como condutores de nova e promissora era no processo de evolução política e administrativa.
O MDB, partido que pratrazmente foi do doutor Ulysses, com magistral atuação no processo de restauração democrática, dá provas de se debater com um inesgotável conflito de identidade. Transformou-se, como já anotou alguém, numa “Arca de Noé”. Só que sem Noé por perto. Dividido, subdividido, entregue ao jogo de sibilinas conveniências, coloca-se numa hora a favor, noutra hora contra, noutras, ainda, num surto psicodélico, nem contra, nem a favor. Em seus controversos posicionamentos, deparamo-nos com a inacreditável vinculação de candidatos seus, inclusive ao cargo de Presidente, à imagem de um adversário até pouco tempo atrás virulentamente criticado. E, de outra parte, com a manifesta omissão, igualmente inesperada, da ligação umbilical dos candidatos com os governantes partidários. Nomes de proa da agremiação que exerceram postos ministeriais na segunda metade do mandato presidencial, ou seja, após o impedimento da antiga titular, fazem, também, questão fechada, nas campanhas eletivas para postos no Executivo ou Legislativo, de se dissociarem do correligionário ou aliado declarado, que presentemente comanda os destinos administrativos do país.
As singularidades detectadas nessa campanha carregada de confusão remetem-nos, agora, à série de entrevistas que comunicadores globais famosos promoveram com disputantes ao cargo de presidente. Na verdade, o que se viu foi muito mais um severo interrogatório do que propriamente uma entrevista. Os formuladores das perguntas açambarcaram, com autossuficiência inquisitorial, tempo precioso das respostas. Não deram nenhuma chance aos interlocutores convidados de exporem seus projetos. Nalguns momentos, sobretudo quando ouviram Bolsonaro e Haddad, sentiram-se um tanto quanto embaraçados diante de réplicas inesperadas.
Seja enfatizado, nesta linha de raciocínio, a disseminação, em proporções inimagináveis, de falsidades com aparência de verdade. São lançadas nas redes e mesmo em depoimentos públicos por alguns candidatos e por seus porta-vozes. Não há como não classificar negativamente esse protagonismo. Elementos comprometidos com a demência das palavras, com fanatice, com discriminações e pregação do ódio, deixam claramente evidenciadas suas inclinações antidemocráticas.
* Jornalista ([email protected])
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