A devastação do ecossistema brasileiro: como recuperá-lo?

Nair Costa Muls*
De fato, o Brasil ainda não conseguiu se constituir como nação. Para isso seria necessária a participação do povo, que não estava presente nas duas tentativas históricas: a da Independência e a da República, às duas o povo assistiu bestilizado, sem nada entender. E a exclusão do povo, pobres, negros e mulheres nos destinos de nosso País é um testemunho do fracasso redundante da formação da nação brasileira, como diz o cientista político Aldo Fornasieri.
O caminho passa pela união de todos esses segmentos, aí incluindo as classes médias, em busca de uma ideia fundante, um destino político e um programa nacional, produtos dessa práxis e de uma liderança forte, capacitada e una, sem se esquecer do papel dos jornalistas, intelectuais e professores, cujo papel é importante na formação de líderes. E por que as classes médias? A sua grande maioria comunga com a ideologia das classes abastadas, donas do capital e do poder, através do qual conseguem se ver como parte da elite, se afastando dos interesses e direitos dos menos favorecidos.
Mas, segundo Fornasieri, há que se buscar uma aliança estratégica com as classes médias, pois não só essa classe é sensível aos mesmos problemas que afetam os trabalhadores, tais como saúde, educação, segurança e habitação, por exemplo, como é constituída também por trabalhadores, assalariados ou pessoas jurídicas e consultores, de certa forma independentes, com melhores ganhos e possibilidade de uma certa acumulação, mas trabalhadores, ou seja, não são donos do capital .
Nesse contexto, o papel da universidade é fundamental. A maior parte de seu alunado é justamente da classe média. Todos eles formados com recursos públicos e, portanto, devedores da sociedade. Como profissionais atuam em atividades relativas à formação recebida, tornando-se responsáveis pelas melhorias a serem implementadas no setor e pelo bem-estar da sociedade em geral.
Cabe, assim, à universidade, tornar seus alunos conscientes dessa responsabilidade e do dever de dar a contrapartida no desempenho de seu ofício. E o deverá fazer não só na forma de transmissão do conhecimento científico quanto, e talvez, sobretudo, através da extensão universitária, derrubando muros e levando seus alunos até a sociedade, possibilitando-lhes conhecer e serem solidários com as necessidades dos diferentes segmentos dessa sociedade.
Embora todas as universidades se dediquem a fortalecer os seus três pilares ─ ensino, pesquisa e extensão ─, algumas, sobretudo as públicas, se dedicam com afinco à extensão. É o caso, por exemplo, da UFF- Universidade Federal Fluminense, que, através de sua Pró-Reitoria de Extensão, tem desenvolvido um trabalho interessante com as prefeituras de Niterói e de Maricá, no sentido de discutir os problemas inerentes à realidade socioeconômica desses dois municípios, com o envolvimento de professores e alunos.
Um dos últimos deles foi a discussão sobre a preservação da Mata Atlântica e a proteção de sua fauna e sua flora, em especial do Mico-leão-dourado, pequeno símio em extinção. Os palestrantes ─ Cristina Serra, jornalista e autora do livro A Tragédia de Mariana, Dr. Alcides Pissinati, diretor do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, e o prof. dr. Sálvio Freire Bueno, da UFF, coordenador do trabalho de recuperação e reintrodução dos animais na floresta ─ ressaltaram a devastação da Mata Atlântica, cortada por rodovias, marcada pela exploração do petróleo e por plantações extensivas, com uso abusivo de agrotóxicos e total descaso pela agricultura familiar, com sérias consequências sobre o habitat dos animais que aí vivem, levando-os à fuga e mesmo à extinção, como é o caso do mico-leão-dourado e de outras espécies.
Ressaltaram ainda a necessidade urgente de salvar esses animais, o que implica em aprofundado estudo não só sobre suas características, hábitos e cadeia alimentar como um programa adequado de cativeiro dos mesmos para treiná-los para serem reintroduzidos nos fragmentos de mata ainda existentes. Outro posicionamento importante desses cientistas ─ e da UFF─ é a decisão de fazer a sociedade conhecer essa natureza, em toda sua variedade e riqueza, na certeza de que a questão ambiental diz respeito a toda a sociedade, responsável inclusive pela vida das futuras gerações, pois sem natureza não há vida. Sentem que lhes cabe, e à universidade, sensibilizar a sociedade para a importância da diversidade biológica na preservação da vida humana e fazê-la conhecer essa realidade. Como?
Através do estudo, da pesquisa e da construção de uma política e de uma estratégia de conservação das matas e dos animais: cursos de extensão, visitas guiadas às diferentes regiões, filmes, retratos (a imagem é um poderoso meio de sensibilização e educação).
Além do Projeto Fauna Brasil-UFF, que atinge hoje cerca de 4.000 pessoas, a Associação do Mico-leão-dourado promove visitas às matas e dispõe de uma equipe de biólogos e técnicos para guiar os pequenos grupos de visitantes com os cuidados necessários para não estressar os animais, através de trilhas especiais, com o objetivo de fazer as pessoas se apaixonarem pelos animais, pelos rios, pelas matas, pela natureza, enfim. Natureza essa que faz parte da vida humana e lhe é essencial. E um dos papéis da universidade, através do ensino, da pesquisa e da extensão.
*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich [email protected]
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