Opinião

A dimensão da nossa Amazônia (II)

A dimensão da nossa Amazônia (II)
Crédito: Ueslei Marcelino / Reuters

Carlos Perktold *

Algumas coisas que fazemos na infância viram recorrências atávicas que não são possíveis evitar. Esta assertiva vale para pessoas e países, pois o que ocorre no microcosmo ocorre também no macrocosmo. A fúria de certos países colonizadores europeus, atividade e atitude da infância deles, quando colonizaram tudo que podiam, brotaram essa semana na maturidade de hoje, quando o presidente da França, Emmanuel Macron tem a petulância de declarar no seu twiter (argh!) que nossa casa está literalmente em chamas. Nossa casa de quem, cara pálida? Isso aqui tem dono, da mesma forma como o Louvre, o d´Orsay, a Champs Elysées ou Manhattan. E ele ainda tem a insolência de dizer que levará o assunto para a pauta da reunião do G-7. Discutir o quê? Que vão invadir nosso País?

É o velho e recorrente ranço de colonizadores achando que ainda vivemos no século 18 e que, para modificar algo na colônia, basta uma ordem da metrópole. Ele usa um argumento ridículo e desmentido há anos de que a floresta é o pulmão do mundo. Não é. O oxigênio produzido na Amazônia é lá mesmo consumido. Sua mensagem no twiter virou histeria coletiva pelo mundo afora. Nunca se viu tanta gente preocupada com as fotos da Nasa sobre a floresta. Também as vi, estampadas nas primeiras páginas de jornal. Se acreditarmos que todos os pontos em vermelho são colossais fogos de desmatamentos, a metade do Brasil estaria em chamas. As queimadas são comuns no verão, até em áreas urbanas. A fuligem e a fumaça que anoiteceram a tarde em São Paulo vieram da Bolívia, em chamas há semanas. Seu governo acaba de contratar um avião com capacidade para despejar a cada trinta minutos cem mil litros de água sobre os focos de incêndio. Até semana passada foram queimados 550 mil hectares de floresta boliviana. Acenda uma fogueira de São João numa clareira ou no centro de Marabá e o registro no satélite será de um foco de incêndio.

Claro que há queimadas, muitas queimadas nesta época do ano. É o período de seca e os agricultores usam as cinzas como adubo para o replantio. A Europa finge desconhecer esse procedimento tão tropical, pois não precisa dele. Eles têm a neve, um fertilizante gratuito e fabuloso. Encontrei um velho tio, fazendeiro austríaco, no inverno de 1977, preocupado por que a neve daquele ano havia sido muito pequena e prejudicaria a plantação. Quando ela vem em abundância como a do último inverno europeu é um alívio para a agricultura e fazendeiros: os gastos com fertilizantes serão menores e as colheitas maiores.

É claro o interesse do presidente francês em criar uma onda política na qual ele faz mesuras com nosso chapéu e fatura política e internamente no seu País, criando essa crise conversiva mundial. As queimadas serão justificativas e vão contribuir para que o acordo da UE e o Mercosul seja ou retardado ao máximo ou não seja aprovado no parlamento francês. Eles não querem concorrência com nossas exportações de carne e frutas e dezenas de produtos mais baratos que aqueles franceses, se o acordo for aprovado. A concorrência será avassaladora. O mesmo Macron que agora se coloca como arauto da floresta apoiou no ano passado um projeto de desmatamento de milhares de hectares, a consequente exploração de minerais e a destruição de mais de 120 espécies protegidas na Amazônia na Guiana francesa, bem longe, claro, de seu culto território.

Como vê o leitor, não é somente o subsolo da floresta com nióbio, diamante e ouro que interessa aos europeus e americanos. Eles não querem novas terras cultiváveis no Brasil: farms here, forests there, é o lema descarado dos agricultores americanos e europeus que queimaram suas florestas há dezenas de anos sem que o mundo dissesse uma única palavra e as transformaram nas atuais fazendas produtivas e rendosas.

Há mais de cem mil ONGs espalhadas pelos territórios do norte brasileiro. É pouco provável que elas, cheias de ódio pela diminuição de dinheiro, comecem as queimadas como se seus integrantes fossem piromaníacos. Mas, conhecendo o ser humano desde a horrenda história humanística e bíblica que se tornou nosso modelo de irmão de Abel e Caim, como o governo desconheceu a denúncia do MPF de Itaituba ao Ibama de Santarém, no dia 7 de agosto, informando a convocação de outros piromaníacos, travestidos de sindicalistas, produtores rurais, comerciantes e grileiros para incendiar no dia 10 de agosto as margens da BR-163 entre Altamira e Novo Progresso, no Pará, apenas para dar um recado ao presidente do País? Por que ninguém agiu rapidamente e evitou a crise atual? Ou o mesmo governo tomou conhecimento apenas agora, com a matéria sobre esse episódio publicada na revista Globo Rural?

*Advogado, psicanalista e escritor

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