A era do propósito

Mesmo o planeta surfando em inovações e avanços tecnocientíficos, a insatisfação acinzenta muitos corações. A despeito de uma grande parcela da humanidade estar eletronicamente conectada, subprodutos de crises existenciais e solidão endereçam muitos às terapias, às igrejas e ao paraíso químico das drogas – lícitas e ilícitas. Pouco esforço é necessário para ver que os terráqueos pecam na autogestão. Um alto consumo de ansiolíticos acusa que o brasileiro padece de ansiedade e, adicionalmente, do mal planetário: a escassez de sentido. Muitos previram que a depressão poderia corroer nosso século. Mesmo os que estão “incluídos” na economia formal e informal ou se fartando na festa do dinheiro fácil parecem ter a felicidade como um sonho distante.
Até porque, no caso dos últimos, dormir à sombra de ‘buscas e apreensões’ não oferece paz e alegria a ninguém. Mas, quem vive honestamente também parece precisar de uma ampliação nos propósitos. O sol nasce e morre; a lua muda de fase; o mar alterna fúria e serenidade… enquanto estrelas lotam o céu. E poucos percebem. O olhar da maioria prefere visores eletrônicos ou sofrer por um futuro que ainda nem nasceu. Intoxicado com excesso de informação o pensamento acelerado não admite pausa para reflexão e priva os olhos da contemplação. Já não se conversa na porta de casa; falta tempo: mercadoria de luxo. Parentes mal se veem ou duelam em polarizações ideológicas, enquanto amigos competem em conquistas materiais desfiladas nas vitrines da sociedade do espetáculo.
O adoecimento social parece reger o grau do sofrimento individual, como a pior consequência de uma vida acelerada, preconceituosa, intolerante, competitiva, que nunca satisfaz o exibicionista e ainda instiga a cobiça em sua “audiência”. O mundo parece crescentemente insustentável ao nivelar-se no “ter”. Além de multiplicar as desigualdades sociais e o raio do sofrimento evitável, o ‘capitalismo’ segue muito pouco ‘consciente’. Os ganhos de curto prazo, o individualismo e o pensamento isolacionista de nossa cultura global autofágica, inspirada, sobretudo, pelos negócios e pela forma como a tecnologia é utilizada, comprovam o que muitos previam: a culminância de uma exaustão generalizada. Isso também deriva comportamentos perigosos e surtos mortais.
Como vivemos no arcabouço de um sistema que internacionalizou as economias e transformou tudo em mercadoria, as relações também acabaram comprometidas. A sensibilidade e a preocupação com as consequências das ações tornaram-se secundárias. A ganância é sequer questionada ou regulada por alguma entidade internacional harmonizadora de interesses e promotora de justiça social. Se até a política reincide como uma das mais seduzidas pelo capital, a quem seria possível recorrer para empurrar os valores éticos e morais para o centro da cultura? A depender de quem acumula ou corre, não há espaço para se perguntar “para quê?” O mercado ainda sexualiza crianças e infantiliza adultos. Não se busca um sentido para a enganosa maratona a que todos se deixaram submeter.
A subjetividade negativa interfere no ritmo orgânico, comprometendo corpo, mente e alma. E o frenesi também ignora a exclusão da maioria na base de uma pirâmide social injusta, onde não há condições dignas de habitação, saneamento, alimentação e educação, só para ficar em as demandas primárias de qualquer estado democrático de direito. Em se tratando de Brasil, falamos de um país rico em recursos, embora mal administrados ou saqueados ao ponto de não chegarem a todos que, por direito, mereciam seu desfrute. Felizmente, com a generalização da insatisfação e do acesso à telemática, as consciências se conectam. E a mesma rede que separa por divergências, aproxima por afinidades de sobrevivência. Poderá advir daí uma dessas manifestações inflamadas, mas por uma carência digna? Estamos a caminho de 2023. Quem sabe os desejos de fim de ano não se materializam em atitudes sustentáveis afluindo para uma era de propósitos?
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