Opinião

A estratégia institucional de disseminação da Covid-19

A estratégia institucional de disseminação da Covid-19
#Opinião | Imagem: Pexels/ Adaptação: Will Araújo

Nunca é demais lembrar a Constituição Brasileira… Quais seriam os deveres de um poder eleito pelo povo? Segundo a nossa Constituição (Art. 1º), a República Federativa do Brasil é um Estado democrático de direito, que tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.  Acrescenta no seu Art. 3º, os objetivos fundamentais da República: garantir uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, ainda, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Cabe ao presidente da República defender e respeitar a Constituição. 

E o que faz o nosso presidente? Tem ele defendido efetivamente os fundamentos e objetivos da nossa Constituição?

Em primeiro lugar, o que se vê é um total desgoverno em relação ao controle da pandemia em curso. Nega a gravidade do caso, contesta e zomba do uso de máscaras, do isolamento e sugere, inclusive, uma falta de masculinidade ao se enfrentar o vírus… “Tá com medo de quê?” 

Mas sua atitude descabida não fica só aí. Na realidade, o caso é muito mais sério e muito mais grave: existe toda uma estratégia institucional de disseminação do vírus no País, uma política “propositadamente genocida.” Este foi o resultado de pesquisa iniciada em março de 2020 pela profa. Dra. Deyse Ventura, especialista em Direito Internacional e em Saúde Ambiental, coordenadora do Doutorado em Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, com ampla experiência em pesquisas sobre Direito Internacional e Saúde Pública. 

A referida pesquisa “Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta ao Covid-19 no Brasil” foi uma realização conjunta do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa), da FSP/USP e da Conecta Direitos Humanos, uma das principais ONGs de direitos humanos no Brasil. Considerada como uma importantíssima iniciativa, a pesquisa cataloga e analisa toda a produção de portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do governo federal, vetos, atos de obstrução, retenção de recursos públicos, discursos, artigos publicados por ministros, vídeos gravados por elementos ligados ao presidente. Analisa as falas do presidente Bolsonaro, assim como as informações falsas, a propaganda incansável de remédios claramente condenados pelos órgãos internacionais e nacionais responsáveis pela saúde, o descrédito sistemático da ciência e dos cientistas.  Segundo a pesquisadora, esse material analisado se apresenta como “uma verdadeira inflação normativa”.  

 A conclusão é óbvia: não existe incompetência: a disseminação do coronavírus é uma estratégia clara e oficial desse governo, “um genocídio documentado,”  como assevera Jefferson Miola em  entrevista no Brasil 247 há alguns dias, em debate sobre os resultados da pesquisa em questão, com a presença da pesquisadora responsável.   Sobretudo diante de dois fatos novos, assegura: o descalabro da situação em Manaus, totalmente sem oxigênio apesar das várias advertências do SUS e da White Martins de um possível colapso do abastecimento de oxigênio e da necessidade de se buscar urgentemente outras fontes de abastecimento; a posição do governador do Amazonas em voltar atrás no fechamento da cidade, sob pressão dos apoiadores do Bolsonaro; e ainda o total descaso do governo em face da necessidade de aquisição de vacinas.  A pesquisa mostra claramente que não há incompetência ou loucura.  O que se constata é uma estratégia clara de disseminação do coronavírus, uma política visando à morte (sabe-se que o número de mortos já ultrapassou 220 mil).

É bom lembrar ainda duas medidas mais recentes que agravam o quadro: a primeira é o corte decretado pelo governo de 68,9% dos benefícios fiscais para as pesquisas científicas, afetando a importação de equipamentos e insumos para pesquisas, inclusive no que concerne àquelas realizadas pelo Butantan e Fiocruz.  Apesar da contestação do presidente da CNPQ, prof. Evaldo Vilella (ex-presidente da Fapemig), a medida se mantém. A segunda é a medida governamental, que continuando a política do Temer, fecha mais de 60 órgãos coletivos, os Conselhos, responsáveis pela elaboração de políticas públicas (na saúde, na educação, na alimentação, na infraestrutura, integração nacional, televisão digital, desenvolvimento econômico, parceria público-privada, biotecnologia, regularização fundiária da Amazônia Legal, na conservação do meio ambiente, na questão indígena, trabalho escravo, direitos da pessoa idosa, direitos da criança e do adolescente e inúmeras outras questões). Esses conselhos são fundamentais para a participação coletiva nas decisões que concernem à vida e os direitos humanos e se constituem como um instrumento efetivo de participação de diferentes segmentos da sociedade civil na discussão de questões essenciais para o bem-estar da sociedade, num exercício participativo e democrático (os Conselhos foram criados em  2014). 

Nesse contexto, só há um caminho, como disse a professora Deyze, concluindo sua entrevista: “Se cuidar, usar máscara, evitar aglomerações, disseminar informações de qualidade, confiar nas autoridades sanitárias e…  LUTAR!”

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