A executiva bem-sucedida

“De que século você veio?” (Pedro, o sindico)
A fala erudita e bem-humorada do autor, especialista em administração, faz do texto, publicado há 20 anos uma peça de extrema supimpitude. Isso me induz a convidá-lo a partilhar comigo da releitura do texto, da lavra de nome que dispensa apresentação: Max Gehringer.
“A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal. Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
– Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
– No céu.
– No céu?…
– É. – Tipo assim… o céu, CÉU…! Aquele com querubins voando e coisas do gênero?
– Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências: nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular, a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
– Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
– É?
E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária? – Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
– Assim? (…)
– Pois não? A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:
– Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e…
– Executiva… Que palavra estranha. De que século você veio?
– Do 21.
O distinto vai me dizer que não conhece o termo ‘executiva’? – Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial, ali na organização.
– Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.
– É mesmo?
– Pode acreditar, porque tenho PhD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
– Ah, não sabemos.
– Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.”
A reprodução da saborosa história de Max Gehringer para hoje por aqui. O desfecho surpreendente da conversa da executiva bem-sucedida com São Pedro será revelado na sequência.
Vez do leitor. A propósito do artigo “A crise humanitária que nos assola” (DC.6.4) recebemos da escritora Zaira Melillo a mensagem abaixo anotada: “Li e reli essas palavras que bem traduzem o que vivemos. E me pergunto: até quando?”
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