Opinião

A fome que nos envergonha

A fome que nos envergonha
21 milhões de patrícios padecem as agruras de severa insegurança alimentar | Crédito: Adobe Stock

“…aumento mais escandaloso da desigualdade e da fome”. (Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan)

Poucas coisas denunciam de forma tão dramática e apavorante o fracasso das ações humanas no plano social quanto o flagelo da fome. A produção mundial de grãos é mais do que suficiente para alimentar com fartura todos os viventes do planeta. Nada obstante, a má distribuição dos produtos e a perversa partilha da renda deixam quase um bilhão de pessoas, perto de um oitavo da população mundial, passar fome.

Só no Brasil, que dispõem de potencial agrícola para abastecer o mundo inteiro, 33 milhões de patrícios – pasmo dos pasmos! – padecem da desnutrição e da subnutrição em caráter crônico, em pleno século 21. O segundo inquérito nacional sobre insegurança, recentemente concluído, aponta que nosso País retrocedeu 30 anos em matéria de segurança alimentar. Em menos de um ano, 14 milhões entraram em situação de vulnerabilidade alimentícia. Os pesquisadores consideram que o desmonte de políticas públicas, a piora no cenário econômico, o acirramento das desigualdades sociais e os efeitos da pandemia da Covid-19 tornaram o quadro ainda mais perverso e estabeleceram um cenário ainda mais contundente. 

“A pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria e traz ainda mais desamparo e sofrimento. Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome”, afirma Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan. Esta revelação faz parte de uma substanciosa reportagem na “Carta Capital” da jornalista Marina Verenicz.

De acordo com a mesma fonte, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar, um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60% em comparação com 2018. Diz ainda a jornalista: Entre os mais impactados estão os brasileiros que vivem nas regiões Norte e Nordeste. Os índices das duas regiões são expressivamente maiores que a média nacional, chegando a 71,6% e 68% respectivamente. Isso significa que a fome faz parte do dia a dia de um em cada quatro famílias das regiões.  O estarrecedor relato é complementado com a informação de que é também nas áreas rurais que a insegurança alimentar está mais presente, atingindo 60% dos domicílios, inclusive os lares de agricultores familiares e pequenos produtores.

Outro dado impressionante, atordoante, trazido ao conhecimento da opinião pública é de que a fome no Brasil – ora veja, pois! – “tem cor”. Ou seja, tem mais negro, proporcionalmente, do que branco passando fome.

Cerca de 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com algum nível de restrição alimentar. Em comparação com a pesquisa anterior, a fome saltou de 10,4% para 18,1% entre os lares comandados por pretos e pardos.

Explica ainda a médica sanitarista Ana Maria: “Temos desigualdades históricas do País que nunca foram resolvidas: rural e urbana, homem e mulher, brancos e negros. E essas desigualdades se reproduzem na questão da fome”.

O trabalho jornalístico conclui: O cenário apontado pela pesquisa está diretamente relacionado com os altos índices de desemprego e um processo estruturado de precarização do trabalho e informalidade. Soma-se a esta realidade a perda do poder aquisitivo causada pela inflação, que atinge prioritariamente os alimentos, e o desmonte proposital da Conab durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, que deixou de estocar alimentos, com políticas públicas insuficientes para garantir a comida no prato do brasileiro.

A pesquisa foi realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Rede Penssan. Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais, de 577 municípios, dispostos em 26 estados e no Distrito Federal. 

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