A gincana ideológica da nova reforma tributária

Maria Inês Vasconcelos*
O retorno ao passado como tentativa de explicar o novo e sempre dinâmico universo que vivemos é instigante. Isso nos permite compreender a dialética dos fatos e situá-los. Hannah Arendt usa, em sua obra, uma passagem singular na qual compara a volta ao passado ao trabalho do pescador de pérolas no mar, sugerindo assim que devemos retornar ao passado, não para escavar o fundo do mar, e sim para contribuir para a renovação do que foi extinto.
Buscar a origem do novo a partir do velho para compreender historicamente os fatos, portanto, é uma ótima oportunidade para encontrar a ponta da linha que se perdeu. A análise sóbria do período transcorrido nos serve como bússola e método para entender o caráter contraditório do mundo e a repetição de certos fenômenos. Um mesmo tema pode ser tratado por linguagens diferentes, e isso não impede que elas se comuniquem mutuamente. Alguns conceitos-chaves serão sempre os mesmos.
Assim ocorre quando tratamos das reformas, que, mesmo nas diferentes esferas teóricas nas quais são abordadas tem sempre o mesmo objetivo: modificação. Assim, seja no direito tributário, no direito do trabalho e no previdenciário, entre outros, sua essência é sempre a mesma: reconstruir e refazer, para bons fins.
A reforma tributária anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é indicativo de um fenômeno já conhecido, a tentativa de dar mais forças ao capital, de fazê-lo reagir, através de mais arrecadação. O governo busca dinheiro. Contudo, o que não sabemos é a extensão desse fenômeno no campo econômico que, certamente, se refletirá no direito e acarretará diversas implicações sociais na vida dos brasileiros.
Até agora o que se diz é que, dentre outras medidas, haverá a criação de um imposto novo que nada mais é do que CPMF travestida de uma versão nova. Além disso, o governo promete desonerar a folha de pagamento, ampliar a faixa de isenção do IR e arrecadar mais, ao fundamento, quase alienante, de que irá diminuir a tributação.
Pontue-se ainda que o governo pretende investir em projetos sociais – fetiche atual ao perceber o aumento em seus índices de aprovação – e já sonha com os votos dos que foram beneficiados com os programas da era Covid, que incluíram modalidades de auxílios.
Assim, sob o manto de unificar o PIS e Cofins, diminuir a faixa de isenção e corrigir desvios, a liturgia é de que não haverá aumento da carga tributária. Fica, assim, definida a reforma. Tal como foi prometida, crivada e anunciada será a primeira que não levará ao aumento da tributação.
A versatilidade dessa reforma é que vai dizer se ela é constitucional e se levará realmente ao prometido crescimento da economia e mais geração de empregos, pois também se promete desonerar a folha de pagamento .
Reformas são sempre paradoxais, contudo. Tem força de desconstruir o velho e criar o novo. A reforma trabalhista, por exemplo, ocorreu com a promessa da criação de milhares de novos postos de trabalho. No entanto, ao anúncio desses empregos novos, seguiu-se um verdadeiro corte de direitos positivados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A tal anunciada flexibilização, na realidade, camuflou o impedimento de acesso ao Judiciário e redução de direitos obreiros.
No campo do trabalho, portanto, a reforma não trouxe benefícios ao trabalhador, pelo contrário, somente àqueles que se servem da força laborativa, criando ainda mais precarização e aumentando a distância entre o capital e trabalho.
Já experimentamos – e sobrevivemos – a outras reformas que só aumentaram a desigualdade. Por isso, podemos dizer que reformas neste país são faces de uma gincana ideológica. Muitas delas, ao invés de melhorar, criaram situações de desequilíbrio social, como também é o caso da malfadada reforma da Previdência.
Posto isso, resta-nos recorrer ao passado, de forma quase automática. Estamos, afinal, escaldados e já abandonamos todas as condições que necessitem de mais ilusões. Temos medo das reformas e sabemos que este país que arrecada bilhões em tributos, tem questões muito mal resolvidas e grandes desvios no campo da segurança, saúde e educação.
A reforma tributária, que promete redução dos excessos, reorganização e unificação dos impostos, corre risco de se tornar uma maravilha para os ricos e tragédia para os sufocados. A Unificação de PIS e Cofins não vai resolver o problema dessa nação e a criação de uma nova CPMF é apenas os repasses dos custos do capital para os cidadãos. A sorte está lançada e o passado ressuscitado.
*Advogada, palestrante, pesquisadora e escritora
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