A hora de parar

Sidemberg Rodrigues*
Hoje me despeço do Diário do Comércio como articulista, veículo vanguardista que conheci quando atuava como executivo do centro corporativo do grupo ArcelorMittal no Brasil, na sedutora e saudosa Belo Horizonte. À época, um colega de equipe me ajudou a ver nesse jornal o parceiro ideal que precisávamos para materializarmos inovações imprescindíveis ao diálogo institucional com os mais diversos stakeholders. E tivemos parcerias simbióticas de inquestionável sucesso, como o projeto “Diálogos do Prêmio José Costa”, que derivou outros.
A forma do veículo se posicionar com relação às empresas, qual o caso da ArcelorMittal, nos tranquilizava por sua ética, competência jornalística e inteligência relacional, valores inegociáveis desse jornal. Não por acaso, já aposentado e com disponibilidade de tempo, me ofereci para colaborar com a coluna Ideias Sustentáveis, trazendo uma alternativa de visão ecológica que tive certeza ter caído nas graças da presidente do veículo e da editora executiva, porque o tema tem a vanguarda na essência como o próprio espírito desse dinâmico, visionário e orgânico jornal.
E foi “uma maravilha” – como diriam os mineiros – a experiência de estar dentro do Diário, vendo-o mais internamente e confirmando seus sólidos valores, assim como o repertório de competências dos que o fazem. Tendo assumido recentes compromissos em minha atual rotina – que já não parece o ‘ócio criativo’ do inicio e tampouco conserva seu ar sabático que gostaria – cá estou no último texto de minha rotina semanal aqui, tendo sido “bom demais” participar com toques tão pequenos quanto infinitamente amorizados, “dando conta” de quatro artigos mensais, durante 12 prazerosos meses. Entre aspas, expressões mineiras que acabei incorporando ao vocabulário.
Pois bem, há uma necessidade visceral de se ter consciência da hora de parar. Mesmo se isso aparentar perda de status quo ou fracasso, conforme pensa grande parte das pessoas. Lembro que, aos 55 anos, quando decidi encerrar minha carreira profissional, entre críticas abertas e veladas, o que mais embasou os argumentos dos que tentavam me persuadir a continuar – inclusive parentes e amigos estrangeiros – foi que eu era muito “jovem”.
Por mais que a indústria cosmética queira vender juventude, longevidade e beleza estendendo nosso prazo de validade como cadáveres adiados que nunca deixaremos de ser há de se respeitar o desejo de cada um. A aposentadoria alveja frontalmente nossos rendimentos mensais e o imposto de renda devora o resto. Por isso, muitos apenas mudam a logomarca na coleira da CLT, buscando complementar a renda, até porque estamos numa sociedade em que os filhos dependem de seus provedores por muito mais tempo. O que é lamentável! Em função dessa lógica, cidadãos recém-aposentados de meia idade ou, sem eufemismo, idosos, comprometem-se com novos empregos ou contratos de consultoria até que a exaustão, a doença ou a própria morte os privem do merecido desfrute.
Onde ficam os sonhos pessoais de cada um e o DESEJO de realizar o que lhes dê efetivamente prazer sem ônus? O capitalismo rapidamente arranjou uma justificativa para a permanência ad eternum no trabalho: a pessoa ‘produtiva’ vive mais. É provável que alguns realmente tomem essa estratégia como ideologia; para muitos, independente de qualquer coisa, parar e estar consigo é uma tarefa hercúlea. E a falta do hábito de cultivar o autoconhecimento piora tudo.
Karel van den Bergen, longevo filósofo hoje com 104 anos, lembra-nos que “na velhice você só se sentirá sozinho se não tiver você por perto”. E afirma que temos até os 50 anos para nos darmos conta “de quem realmente não somos e o que realmente não desejamos”. A crença na dependência financeira em um vínculo trabalhista afugenta a ideia de que é possível existir renda sem emprego e segurança sem liberdade. E de que o talento como materialização do desejo íntimo não pode ser vendável sem a escravidão da rotina em sua feitura. Por outro lado, há os que anseiam pela liberdade em uma vida sem cronogramas, organogramas, gestores e feitores hierarquicamente acima. Nem pressões!
Os matizes humanos são diversos, plurais e inimagináveis. Não há um padrão que possa ser tomado como prescrição. Mas, o desfrute do prazer na consideração do desejo não pode ser sinônimo de fracasso ou de perda de importância social. Mesmo que todo ser humano dependa da realização sexual e do desejo de ser grande como pré-requisitos para uma vida plena.
E quem disse que ‘parar’ diminui alguém? Por vezes, até amplia seus propósitos! Foi o caso do DC em minha vida. Me senti maior estando nele. Mas, cada um sabe não apenas “a dor e a delícia de ser o que é”, como também onde apertam os calos de seus limites. E se a plenitude de uma alma passa pelo resultado de anos de adestramento (inclusive ideológico), não se pode obrigar ninguém a seguir a cartilha da ‘verdadeira felicidade’, até porque isso não existe. Talvez, algumas discretas sugestões de premissas calcadas na experiência individual de alguém ou de um grupo. Ainda assim, é perigoso acreditar em modelos ou moldes a esse respeito.
Bem da verdade, cada um sabe de si. Por isso o respeito às decisões como um encerramento de ciclos – por opção consciente – se faz vital, até porque cada um também sabe do quanto pode contribuir com qualidade e energia, sem fazer por fazer. E os dons de cada peculiaridade humana podem estar à espera de uma oportunidade de relaxamento e expansão, sendo que o ócio não precisa ser, necessariamente, criativo. Só ócio…
Nem os períodos sabáticos precisam durar apenas 12 meses. Não pode haver imposição de nenhum dos lados: nem dos que buscam a liberdade deliberadamente, nem dos que se dizem felizes com o que parece mantê-los cativos. Conhecemos nossos limites e os sinais ultrapassados denunciam-se com sintomas. Basta parar e escutar o próprio coração. Quem para? Assim, meu tempo de colaboração periódica e sistemática na escrita de artigos chegou. Quem sabe um ou outro texto esporádico, ao ritmo da minha inspiração e do meu desejo, que se alinhe à necessidade editorial de um jornal?
Guarde essa palavra: desejo. E uma outra: realização. Agradeço a paciência de terem lido os artigos até hoje e reafirmo minha admiração pelo Diário do Comércio, que considero parte imprescindível do meu coração de executivo; e componente sublime das inspirações de minha alma de artista.
Adriana Muls, Luciana Montes e todos os carinhosos leitores desse pensar coletivo que é o DC, amo vocês para sempre! Um abraço!
*Conferencista, articulista e professor de Sustentabilidade, Gestão e Integridade em cursos MBA. Autor dos livros: Espiritual & Sustentável (sustentabilidade em 6 dimensões); Complementaridade (gestão sustentável) e Miséria Móvel (crítica social). Contato: [email protected]
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