Opinião

A hora extra do gerente de banco

A hora extra do gerente de banco
CRÉDITO:ALISSON J. SILVA

MARIA INÊS VASCONCELOS*

A questão do enquadramento legal do gerente de agência é bastante polêmica e há grande divergência jurisprudencial neste aspecto. No entanto, houve evolução e uma virada na percepção dos magistrados, que estão cada vez mais atentos ao modo de funcionamento das agências bancárias.

Certo é que muitos bancos, com intuito de sonegar o pagamento de horas extras, enquadram os gerentes em funções consideradas de altíssima confiança para não pagar nenhuma hora extra, concedendo-lhes ainda designações bastante pomposas a fim de mascarar a realidade do contrato de trabalho. Atribuem, assim, títulos que podem induzir a falsas premissas, como os cargos denominados “gerente geral de agência”, “gerente de núcleo”, “gerente titular”, “gerente de plataforma” e outros mais. Tudo elaborado e praticado com o objetivo único de criar a aparência de que tais gerentes exercem funções de grande relevância na instituição financeira.

Contudo, o poder gerencial está completamente diluído. No universo das agências bancárias da atualidade, o gerente tem pouquíssima autonomia, mal podendo elevar um limite de cheque especial.

A realidade é que sistemas informatizados e outros mecanismos de controle inibem a autonomia dos gerentes de conceder crédito e atuarem com liberdade frente à clientela, tornando-se, assim, meros vendedores de produtos do banco. Na prática, tudo é pré-aprovado nos terminais, ou nos sistemas, e o gerente não tem autonomia nenhuma neste campo.

O antigo gerente de banco, que lidava diretamente e intuitu personae, parava para tomar um café e conhecia a vida do cliente. Atualmente ele vem sendo substituído pelos aplicativos e máquinas. A função do gerente hoje limita a disseminar no mercado o portfólio bancário, constituído de seguros, abertura de contas correntes, cheques especiais, cartões de crédito e operações que nada têm de complexas, afinal, quando são vultosas e densas, são elaboradas em setores fora das agências e passam por um comitê rigoroso de aprovação de crédito e uma série de etapas com cadastro e avaliação de garantias. Assim, cada vez mais, a agência bancária se torna loja. Loja de produtos do banco. E o gerente da atualidade se transformou num sujeito contratado para bater metas. Não existe mais banco, como antigamente.

Chama atenção a segmentação dentro das agências, que se dividem em áreas operacional, comercial e administrativa. Sendo que o comercial ainda é fragmentado em setor que atende pessoas físicas e pessoas jurídicas. Dessa forma, um executivo, ainda que classificado como gerente geral, não administra uma agência inteira, visto que cada segmento tem seu próprio gerente e o suposto poder é completamente fragmentado.

Há várias decisões no sentido de que o compartilhamento das responsabilidades do gerente na agência, sem a proeminência do gerente comercial ou geral sobre os demais, afasta a configuração do cargo de confiança de que trata o art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

De fato, quando a atividade do bancário não corresponde ao gerente geral de agência, sendo os supostos poderes apenas atrelados à manutenção da equipe organizada e estabelecimento da ordem de cumprimento da produção, não há como deixar de reconhecer seu enquadramento no art. 224, § 2º, da CLT. Nesse sentido, a súmula nº 287 indica que a jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência deve ser regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Foi o que decidiu, por exemplo, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Aloysio Corrêa da Veiga, no processo TST-RR: 3284320125100021.

Neste mesmo sentido, a existência de dois gerentes em agência bancária não dá poderes de mando e gestão aos funcionários para afastar o direito às verbas. Com esse entendimento, a segunda turma do TST condenou um banco ao pagamento de horas extras a um empregado que dividia a gerência de uma agência bancária com um colega: ele exercia a função de gerente comercial e o colega a de gerente administrativo. Trata-se do processo RR-435-81.2011.5.02.0074.

Dessa forma, o cargo de confiança previsto no artigo 62, inciso II, da CLT, para afastar a percepção de horas extras, se caracteriza não só pela função de gerência com alto grau de diferenciação salarial, como também pelo fato de o empregado ser um verdadeiro alter ego do empregador, incorporando quase a figura do dono do empreendimento. Se assim não for, o bancário tem direito às horas extras e o enquadramento no artigo 224, & 2º da CLT.

*Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora

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