A infraestrutura brasileira e o princípio da impenetrabilidade
Um bom diagnóstico é meio caminho andado para a cura. Que o Brasil investe pouco é fato conhecido;
para buscar a razão, proponho duas hipóteses: a primeira, de que falta capital para alocar em projetos
de infraestrutura; a segunda, que faltam projetos de infraestrutura para alocar capital.
Sobre a primeira: apesar da nossa histórica baixa poupança, temos conseguido atrair um volume
significativo de investimento estrangeiro direto nos últimos anos, figurando entre os principais
receptores do mundo. Além disso, a possível entrada do Brasil na OCDE transformaria a oferta de capital
em algo virtualmente infinito, pelo acesso a trilhões de dólares, hoje, restritos a países membro da
organização.
Testemos, então, a segunda. Atrair investimentos não é tarefa trivial: requer segurança jurídica e boas
perspectivas de longo prazo. Felizmente, o Brasil possui um histórico positivo em parcerias com o setor
privado, por meio de concessões públicas. Não à toa, os projetos oferecidos têm resultado em leilões
bastante competitivos. O gargalo, hoje, parece ser muito mais a velocidade com que o governo
brasileiro oferece novos projetos do que, efetivamente, a capacidade do mercado em absorvê-los.
Chegamos aqui ao princípio da impenetrabilidade: “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao
mesmo tempo”. Por que isso é importante? Porque frequentemente volta a discussão que, para
aumentar a taxa de investimento no Brasil, é preciso injetar mais recursos públicos. Quem defende essa
tese entende como verdadeira a primeira hipótese, e não a segunda.
Em 1996 o investimento público representava 3,7% do PIB, enquanto a formação bruta de capital fixo
(FBCF) — que, além de infraestrutura, compreende outros investimentos, como máquinas e
equipamentos — era de 18,6%. Com o programa de privatizações e concessões que se deu nos anos
seguintes, foi possível reduzir a participação pública sem comprometer a FBCF (2,8% contra 18,4%, em
2001).
Em 2004, então, iniciou-se um novo ciclo, que começou, respectivamente, com 2,6% e 17,3%, e
terminou em 2010 com 4,7% e 20,5%. Observa-se que enquanto os investimentos públicos avançaram
81% no período, a FBCF aumentou apenas 19%: o capital privado foi expulso, e o princípio da
impenetrabilidade se comprovou.
Esses patamares se mantiveram na casa dos 4% e 20% até 2014, quando a crise decorrente do desajuste
fiscal levou à derrubada dos investimentos públicos para 1,9% em 2017, enquanto a FBCF atingia 14,6%.
Com a mais recente volta de um robusto programa de desestatização, desinvestimentos e concessões,
foi possível, em 2021, observar que mesmo o investimento público tendo ficado em apenas 2,1% do PIB,
a FBCF atingia 19,2%. No terceiro trimestre de 2022 esse número já alcançava 19,6% – uma recuperação
surpreendente.
Assim, a injeção de capital público em setores atraentes ao privado não parece ser a melhor solução
para aumentar a taxa de investimentos, e sim a oferta de mais projetos. Se o aumento do gasto, por
qualquer razão, for realmente desejado, mesmo à revelia dos efeitos colaterais decorrentes de um
maior déficit fiscal, parece ser mais adequado direcioná-lo a segmentos onde a atuação do setor privado
costuma ser limitada, como a necessária revitalização da infraestrutura dos nossos centros urbanos.
Com isso, cria-se um “novo espaço”, em vez de disputar um já ocupado.
Pragmatismo: dois corpos não devem — e nem precisam — ocupar o mesmo espaço. Ganha o Brasil, que
ainda tem muito o que construir.
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