Opinião

A insustentável cadeia de fornecedores

A insustentável cadeia de fornecedores
Crédito: Reprodução Adobe Stock

Maura Bartolozzi, Murilo Ferreira e Patrícia Boson*

Manchetes deste início do ano, nos jornais de grande circulação em todo País, trazem triste notícia (como se não nos bastasse a tragédia o Litoral Norte de São Paulo): “180 trabalhadores foram resgatados de trabalho escravo para vinícolas em Bento Gonçalves”. Vinculadas ao tema escravidão, de um passado vergonhoso, que “morto amordaçado, volta a nos incomodar” grandes e “respeitadas” vinícolas. Todas elas, prontamente, se solidarizaram com os trabalhadores que viviam tal situação, algumas ofereceram préstimos e ações de resgate, e todas alegaram nenhuma cumplicidade com esse criminoso comportamento, pois ação de empresa terceirizada.

Não é a primeira vez que nomes de grandes empresas, nacionais e internacionais, que declaram compromissos com o que chamamos hoje de agenda ESG, agenda que reúne as políticas de meio ambiente (environment), responsabilidade social e governança, veem suas logomarcas vinculadas a condenáveis ações nos três pilares. Assim como, não é também inédito, o fato de que, em quase 100% dos casos, essas empresas alegarem desconhecimento, em que pese ser uma atividade ligada a seus processos produtivos, mas terceirizada.

A gravidade das notícias nos leva a uma reflexão mais abrangente.

Como sabemos, se a agenda ESG de uma determinada empresa é séria, toda a cadeia de fornecedores deve adotar também as mesmas práticas, pois, tal como aconteceu, nessa e em outras vezes, as empresas que possuem relação de trabalho com empresas terceiras sem a due diligence, podem ser bastante impactadas. Portanto, é primordial fazer uma ótima gestão de fornecedores e escolher cuidadosamente quem será seu parceiro, para ter certeza de que este compartilhe os mesmos valores de negócio que a sua empresa.

A questão é: a gestão de fornecedores não é uma tarefa tão simples como pode parecer, mesmo diante de caso tão escandaloso como esse recente. Além de, não raro, haver uma complexa cadeia de fornecedores, o terceirizado do terceirizado que, por sua vez é também terceirizado; há os desafios de inclusão de atributos de sustentabilidade nas compras e contratações, com características sustentáveis, mensuráveis, reportáveis e verificáveis, e ao alcance, de forma clara, objetiva e isonômica, de todos.

A isonomia se destaca, especialmente, pelo fato de no Brasil, segundo dados do Sebrae, as pequenas e médias empresas responderem por 99% dos empreendimentos ativos (o equivalente a 18,5 milhões de CNPJs) e por 70% dos novos empregos gerados, contribuindo, aproximadamente, com 30% do PIB nacional. Assim, a gestão de fornecedores, necessária, deve ter a responsabilidade social, parâmetro da agenda ESG, exercendo também a função de estimular a melhoria contínua dos fornecedores, sem excluir do mercado aqueles que, pela dificuldade de acesso a informação e inovação não conseguirem, apesar de buscarem, trilhar o caminho da agenda ESG. O que, por óbvio, não é caso da notícia sobre os fornecedores das vinícolas.

Em resposta a tais demandas, ganham relevância as iniciativas e as plataformas tecnológicas de apoio à gestão da cadeia de fornecedores, que operem em sistema on-line simples e acessível para conectar compradores e fornecedores em ambiente colaborativo específico para compras corporativas sustentáveis. Ferramentas que, além de organizar a base de dados de fornecedores sustentáveis, possam apoiar o desenvolvimento contínuo da cadeia, reduzindo custos e riscos de comprometimento da imagem. Operar com base nos avanços da tecnologia de informação, adotando ferramentas acessíveis é um bom caminho que reforça compromissos das empresas realmente comprometidas com a agenda ESG, e que de fato não querem estar associadas a tão desprezíveis manchetes. É um passo apenas para uma decisão correta e coerente. Se não pactuam com o insustentável, é hora de agir.

* Consultores Socioambientais – Ecoguia Sustentável

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas