A inteligência artificial e a perda do cérebro humano

Nair Costa Muls* e Adelaide Coelho Baeta*
É impressionante como nos últimos tempos as pessoas estão sempre ocupadas com seus celulares, laptops, computadores. Elas não conversam mais entre si, seja nos restaurantes, nos bares, nas reuniões de famílias e mesmo entre amigos. Mesmo as crianças, e sobretudo os jovens, mas também adultos e idosos. Um isolamento total. Não há mais troca, diálogo, afeto. Essa presença e invasão da inteligência artificial tem causados estragos graves, muitas vezes definitivos.
Em entrevista recente, de suma importância, o cientista Miguel Nicolelis desvenda os tremendos riscos trazidos pela inteligência artificial ao cérebro humano, e, portanto, à vida humana, ao aprendizado, à sociabilidade, ao crescimento e ao avanço das sociedades e da civilização (entrevista a Leonardo Attuch no canal 247).
Já há alguns anos, lembra o cientista, registra-se um crescimento impressionante da inteligência artificial, que na realidade não é nem inteligência nem artificial, na medida em que é o resultado sistemas computacionais baseados em grandes bancos de dados, onde se acumulam todas as informações, comportamentos, buscas, desejos e sonhos que passamos inocentemente em nossas conversas on-line. Essas informações se transformam em verdadeiras “commodities”, usadas, de graça, pelas inúmeras empresas prontas a captar, atrair e aumentar o consumo de suas ofertas. Lucro infinito, a custo zero.
A inteligência artificial, acreditando que tudo pode ser reduzido a um algoritmo, ocupa o cérebro, matando a capacidade de expressão do ser humano. Na medida em que tudo vem pronto, mudanças estruturais vão se registrando no cérebro: não precisa mais de pensar, fica preguiçoso, perde a memória, ou seja, tem as suas capacidades e suas funções reduzidas e podem até serem apagadas.
Não podemos nos esquecer que o cérebro foi o criador do ser humano e da civilização humana. A função do cérebro é, portanto, vital. Possibilitou a utilização crescente e cada vez mais eficiente dos recursos naturais, a organização do homem em grupos humanos extremamente coesos, maximizando as suas chances de sobrevivência; possibilitou o surgimento da escrita, dos números, da tecnologia e todo o avanço das condições de vida dos grupos humanos, na medida em que é o responsável por toda a capacidade de invenção, de inovação, de progresso. Sem o cérebro, seremos reduzidos a simples máquinas. Nicolelis cita os resultados de um teste de inteligência feito recentemente nos EEUU: queda no nível de inteligência, diminuição do número de palavras utilizadas e aumento no índice de fraudes nos exames nas escolas…
Nesse contexto nada auspicioso, insiste na importância da diminuição do número de computadores nas escolas, da regulamentação do uso de computadores, tablets e celulares pelos jovens e, sobretudo, pelas crianças. E lembra que na Finlândia, país onde se registra o maior índice de escolaridade com o avanço do ensino público, gratuito e para todos, com o respeito e a valorização do professor, o computador foi retirado da sala de aula, pois estava afetando o desenvolvimento criativo dos alunos. E lembra ainda a importância do livro impresso, o contato físico com o livro, o que possibilita outro tipo de aprendizagem, mais rica e mais profunda. Basta lembrar o que o primeiro livro levado pelos mulçumanos para a Itália, um livro de Matemática, mudou o curso da vida na Europa.
Cumpre, pois, entender o sistema digital como uma ferramenta, que pode, sim, aumentar a produtividade. Mas apenas como uma ferramenta. Essa tarefa apresenta-se como urgente e essencial para a recuperação do cérebro humano, e, portanto, para a continuação do avanço da civilização humana. A inteligência artificial tem a sua importância, mas no seu devido lugar e com a dimensão devida.
* Pós doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/FAFICH
* Doutora em Engenharia da Produção/Coppe-UFRJ, em Sociologia pela Universidade Sorbone/Paris; professora aposentada da UFMG/FACE
Ouça a rádio de Minas