Opinião

A máquina de tirar retrato

Cesar Vanucci*

“Uma imagem vale mais que mil palavras.” (Ditado chinês)

Interrompemos nossa narrativa no artigo passado assinalando que um experimento do genial Leonardo da Vinci, três séculos antes que surgisse, aqui no Brasil, a primeira fotografia de Hercules Florence, estabeleceu o princípio básico da máquina de tirar retrato.

A descoberta de Da Vinci produziu efeitos em cascata, conforme esplêndida documentação histórica constante de enciclopédia lançada pela Editora Abril, onde recolhemos informações a respeito da participação brasileira na história da invenção da fotografia.

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Projetistas e pintores usaram a descoberta de Leonardo Da Vinci como método auxiliar, de imensa valia, em seus trabalhos de criação. Essencialmente, a operação consistia no seguinte: projetava-se a imagem numa folha de papel pendurada na parede. O artista, para registrá-la, desenhava-lhes os contornos.

Ainda no século XVI, Gerônimo Cardano, também italiano, idealizou os primeiros modelos portáteis de câmara escura. Configuremos a cena: uma sala com espaço suficiente para um homem dentro dela se locomover, transformada numa espécie de caixa. Num dos lados da caixa, uma placa de vidro fosco. No outro, um orifício de pequenas dimensões. Através da abertura a imagem do objeto iluminado pelo foco solar é lançada no vidro. A nitidez é tanto maior quanto maior for o grau de iluminação do objeto focalizado.

Outro italiano avançou nas ousadas experiências de Cardano. Chamava-se Giambattista Della Porta. Chegou, à custa de infindáveis buscas, à constatação de que as imagens poderiam ficar ainda mais límpidas, na hipótese de se poder encaixar uma lente na fenda da tal caixa. Definia-se aí ponto fundamental para a futura fabricação das câmaras de fotografia.

Outras contribuições permitiram a evolução do processo. Johann Schulze, em 1727, eliminou a certeza científica, que a todos dominava, de que os sais de prata empregados no processo, guardados por algum tempo, tornavam-se escuros por envelhecimento. Nada disso acontece, explicava ele. O envelhecimento é ocasionado pela luz. Fez juntada de provas. Misturou certa quantidade de nitrato de prata, com cal e ácido nítrico num recipiente. O resultado: um vermelho intenso, resultante da fusão, substituiu a brancura da solução.

Como a prova precisasse ser robustecida, Schulze avançou mais: preparou a mesma mistura e cobriu o recipiente com um papel desenhado. As partes alvas do papel favoreceram a infiltração de luz. As zonas correspondentes do líquido tingiram-se de vermelho. Em contraposição, as partes onde se viam traços desenhados impossibilitaram aos raios de luz atingissem o líquido. Esse manteve a cor branca nas áreas correspondentes aos traços. Resumindo tudo: o desenho ficava reproduzido em negativo na superfície do nitrato de prata.

Por ordem de entrada em cena, quem apareceu, logo em seguida, de acordo com os assentamentos históricos, foi Thomas Wedgwood. Ele arrebatou a glória de ter sido o primeiro a tentar, por volta de 1790, compor uma foto. Num pedaço de papel impregnado de nitrato de prata, colocou o objeto que desejava gravar, uma folha de árvore. O pedaço de papel ficou exposto à claridade por algum tempo. O que adveio daí apontou o acerto da experiência. As partes da folha de papel submetidas à luminosidade transformaram-se em zonas escurecidas. As partes protegidas, equivalentes às regiões espessas da folha, ficaram mais claras. Tinha-se diante dos olhos o primeiro exemplar de um negativo. O que não se conseguiu foi a fixação duradoura da imagem impressa. Joseph Nicéphore Niepce acrescentou uma conquista a mais ao esforço criativo humano, que conduziu à implantação da arte fotográfica. Amparado pelos testes de Wedgwood, usou uma placa de vidro como substituto do papel, envolvendo-a com betume. Procedeu dessa maneira a verificar que suas fotos saiam ao inverso isto é, onde devia ser preto era branco, e onde devia ser branco era preto.

Utilizando outros materiais, como óleo de lavanda e iodo, ele foi enriquecendo a pesquisa, até chegar, em 1822, a produzir o que é apontado como a mais antiga fotografia jamais feita – uma mesa num jardim. Contam os registros históricos, que fazem parte da enciclopédia da Abril, que a operação para se chegar à captura da imagem consumiu oito horas consecutivas de nervosa concentração.

Nesta recapitulação histórica acerca da invenção da “máquina de tirar retrato”, voltaremos a falar do franco-brasileiro Hercules Florence.

* Jornalista ([email protected])

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