A sensibilidade social e o oposto dela

Cesar Vanucci*
“Não dê carona para o corona. Fique em casa”. (Manifestação recolhida na internet)
A crise traz à tona virtudes e mazelas que fazem parte do jogo da vida. Deixa à mostra, de modo mais estridente, os contrastes comportamentais, as contradições de conduta presentes no cotidiano. Projeta ações edificantes executadas por pessoas e grupos providos de sensibilidade social, afeiçoados a exercícios solidários. E, também, o abominável oposto disso.
Esforcemo-nos, em primeiro lugar, por enfileirar (algumas) atitudes positivas, de exaltação à vida, assumidas com ardor e disposição elogiáveis nesta hora tormentosa.
Os profissionais da saúde com atuação nas linhas de frente do combate ao flagelo do coronavírus fazem jus – é o obvio ululante – a imorredouro apreço no sentimento popular. Nos hospitais, clínicas e outros centros de atendimento, utilizando às vezes instrumentos inadequados de proteção pessoal, vêm garantindo galhardamente a continuidade de serviços de utilidade pública essenciais. São os nossos heróis em postos de vanguarda.
A lista dos que, com labor e dedicação elogiáveis, asseguram à grande maioria da população razoáveis condições para que se processe satisfatoriamente o necessário distanciamento social recomendado enfaticamente pelos órgãos de saúde, envolve outras muitas categorias de servidores.
O abastecimento de água, energia, a limpeza das ruas, a coleta do lixo, a produção de alimentos, a entrega de produtos para estocagem, a distribuição inclusive domiciliar das mercadorias indispensáveis, tudo isso abarca um contingente respeitável de prestadores de serviços, que se portam com eficiência e destreza no trabalho realizado. De toda essa gente são exigidas, logicamente, cautelas especiais para evitar os riscos da contaminação. Seu desempenho torna-os credores de admiração e reconhecimento incondicionais. A relação é acrescida, também, da imensa legião dos empregados domésticos.
De forma silente, passando às vezes até despercebidos aos olhares das pessoas ajudadas, esses colaboradores concorrem decisivamente para que as condições do conforto doméstico não sejam afetadas em demasia. O mesmo há que se dizer dos trabalhadores nas diferentes áreas de transportes e dos que respondem pelos plantões de setores básicos que não podem, jeito maneira, parar de funcionar sob risco de irremediável colapso dos esquemas garantidores do bem-estar comunitário.
Nessa linha de considerações, cabe destacar ainda o papel desempenhado pelo pessoal da comunicação social. Seja colhendo e transmitindo informação, seja cuidando de operar máquinas e aparelhos de impressão de jornal e de divulgação de imagens e sons, eles compõem a frente logística que permite a quem se abrigue, por compreensível precaução, no recesso dos lares se inteirando dos dados relevantes que a incessante marcha da história humana vai agregando.
E o que não dizer do protagonismo ativo, dentro do contexto analisado, dos agentes de segurança? Garantem, até onde se faz possível nestes tempos tumultuados, a tranquilidade pública. Vale citar emblemático lance de zelo profissional ocorrido em BH, dia desses. Numa cena tocante, policiais militares fizeram, em atendimento de emergência, na rua, o parto de uma jovem de 19 anos.
Os exemplos apontados não esgotam, com certeza, os relatos das atuações merecedoras do reconhecimento da sociedade. São atuações demonstrativas de boa vontade e senso de dever excepcionais. Em instantes de comoção coletiva fazem-se extremamente necessários atos destemerosos de cidadãos de espírito fraterno e solidário.
O que vem, agora, é totalmente oposto aos valores positivos de conduta. Os atos negativos compõem lista, também, extensa. Pra começo de conversa, seja lembrado o comportamento incompreensível e ostensivamente conflituoso adotado, diante da problemática enfrentada, por lideranças políticas influentes na cúpula governamental.
Leia-se presidente da República Jair Bolsonaro. Insurgindo-se, insensatamente, contra as medidas preconizadas universalmente pelo mundo científico, mundo político, organismos internacionais e nacionais engajados no combate ao flagelo do Convid-19, S.Exa. vem trazendo insegurança e incertezas às ruas e lares. Danosos os efeitos sociais dessa postura. Fica difícil para os analistas não deduzirem dos fatos que os posicionamentos ambíguos e falas impróprias reflitam uma manobra política demagógica, com inclinação “populista” rançosa… Desconcertante e deplorável.
Entre estupefata e indignada, a sociedade flagra o sistema bancário em condenável posição. Reconhecido, conforme se diz jocosamente por aí, como o de maior rentabilidade em toda Via Láctea, o complexo bancário nacional, acumulando, nos balanços trimestrais, sucessivos resultados recordistas há décadas, não se toca mesmo por nada. A Selic, como sabido, baixou nos últimos meses a níveis jamais registrados.
Para os que utilizam os créditos das instituições financeiras foi como nada tivesse acontecido. Os juros permaneceram nas altitudes himalaianas de sempre. Representantes dos segmentos produtivos estão botando a boca no trombone, para denunciar que, na atualidade, a situação mais do que piorou. Os financiamentos ficaram mais caros. Um absurdo!
Outro caso estarrecedor. Numerosos fornecedores de materiais indispensáveis, inclusive instrumentos terapêuticos, andam elevando a bel prazer seus custos de produção, com volúpia de lucro, pode-se dizer, indecente. Caso de polícia, como era de costume dizer-se em tempos de antigamente. Manobras altistas exorbitantes, sobretudo numa hora grave como essa, representam agressão inominável aos interesses sagrados da sociedade.
A relação das inconveniências derivadas da insensibilidade social e carência de senso humanitário não estão, por certo, limitadas tão somente aos lances negativos aqui declinados.
* Jornalista ([email protected])
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