A temperatura das estrelas

Mensurar a temperatura do corpo humano ganhou de novo um impulso após a pandemia por Covid, colocando-a em evidência em relação aos outros três sinais vitais básicos: pressão arterial, frequência de pulso e frequência respiratória. É que após intensos estudos sobre os sessenta fatores mais importantes para a gravidade do Covid, o comportamento da temperatura é listado como um dos sete mais relevantes, juntamente com a idade, sinais de sepse (infecção generalizada), Diabetes, e os exames laboratoriais dímero D, proteína C reativa, e albumina. Para não haver contato com os possíveis doentes demos preferência aos termômetros com sensores infravermelhos, que possuem a capacidade de medir a temperatura a distância. Essa notável tecnologia foi desenvolvida a pedido da Nasa (agência aeroespacial americana) para medir a temperatura das estrelas e planetas. Só depois foi adaptada para a Medicina e hoje se tornou de uso acessível.
Houve outros momentos recentes em que o termômetro a distância teve também seu brilho. Foi durante a epidemia do vírus Ébola, que tinha altíssima transmissibilidade, e na gripe suína. O ápice do Ébola ocorreu em 2014 com letalidade, pasmem, que chegava a sessenta por cento. Já a gripe suína foi rebatizada para gripe A/H1N1 e foi a primeira emergência de Saúde Pública do século XXI declarada como pandemia pela OMS. Nesta época vimos as primeiras medidas de triagem de doentes através de sensores de temperatura instalados nos aeroportos ou outros locais de afluxo de viajantes. Pandemias são tão impactantes que a história do século passado nos relata que ao final da Primeira Guerra Mundial o acordo de paz previa que a Bayer renunciasse à patente do Ácido Acetilsalicílico para beneficiar as vítimas da Gripe Espanhola, pandemia que atingiu todo o mundo entre 1918 e 1919. Pois, foi o primeiro antitérmico sintético existente, aprovado após teste e validado após estudo com um único paciente!
Mas, por que a temperatura corporal se eleva no ser humano? A febre é uma das estratégias do corpo para aumentar suas defesas. Vários germes morrem à medida que a temperatura se eleva. Em certas circunstâncias, por exemplo na meningite causada por N. meningitides ou na pneumonia causada por S. pneumoniae, o prognóstico é melhor nos pacientes que mantiveram suas temperaturas em 38,4º C ou 39,4º C respectivamente. Claro que a febre alta causa grande desconforto que deve ser cuidado. A febre leva a desidratação, torna o sangue mais viscoso (grosso) bem como mais numerosas e ativas as plaquetas que participam da coagulação do sangue, podendo levar a trombose (entupimento de algum vaso sanguíneo). Antes da era moderna dos antibióticos já se usou a Malária, que sabidamente causa febre, para tratar a Sífilis. Nos episódios de febre alta a bactéria Treponema pallidum causadora da Sífilis morria. Então se medicava a Malária para a qual já havia o tratamento. Esta ideia rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1927 ao seu proponente Julius Wagner-Jauregg.
A média da temperatura dos homens é 36,1º C variando para mais ou para menos 0,4º C; das mulheres é 36,4º ± 0,4º C na pré-menopausa, e 36,3º C na pós-menopausa. Há uma tendência de pertencimento ao patamar superior de elevação de acordo com o aumento de peso corporal tanto para os homens quanto para as mulheres pós-menopausa. A baixa do estrógeno após a menopausa é uma das hipóteses para a sensação de calor deste período. Sua falta reduz a atividade dos nervos que controlam a vasodilatação na pele, e, portanto, a dissipação do calor, originando as sensações de ondas quentes. Para se ter uma ideia da importância deste mecanismo, a circulação de sangue na pele pode variar em até dez mil vezes quando se compara a vasoconstrição (palidez) com a vasodilatação (ficar vermelha) sendo um dos pilares do controle da temperatura juntamente com a sudorese e o tremor. Habitualmente, a parte superior do corpo principalmente os braços e mãos das pessoas funcionam como um radiador de um automóvel. À noite eles esquentam para dissipar o calor, e esfriar o corpo que precisa estar a uma temperatura menor. Considera-se ainda que a temperatura corporal pode variar de 0,5º C a 1º C de acordo com a hora do dia, sendo menor na madrugada por volta das três horas.
Mas a temperatura elevada não significa sempre infecção. Há muitas outras situações em que ocorrem a elevação da temperatura corporal. Por exemplo, metade dos pacientes que sofrem Derrame Cerebral pode apresentar febre, inclusive que significa um pior prognóstico. Durante uma maratona a temperatura de um corredor se eleva, altera-se também em trabalhadores que fazem rodízio de turno, no pós-operatório a temperatura pode se elevar um pouco como resultado da resposta inflamatória do corpo a uma intervenção, um ambiente muito quente pode fazer nossa temperatura se elevar, principalmente em diabéticos ou hipertensos. E até a falta de força gravitacional pode fazer a temperatura de um astronauta subir para 38º C nas primeiras semanas da viagem, estacionando neste parâmetro elevado, e chegar a 40º C durante um exercício de condicionamento, por várias razões. Isto é preocupante, pois uma temperatura cronicamente elevada altera a longevidade ao alterar o sangue, as enzimas e neurotransmissores do nosso corpo. Ainda, apenas 1º C de elevação da temperatura corporal faz o corpo consumir 20 % a mais de energia para se manter. Pode ocorrer também um índice maior de problemas circulatórios, pressão arterial alta, ataques cardíacos, e o cérebro pode não funcionar perfeitamente. Imagine ter que pensar de forma brilhante e tomar decisões complexas se a pessoa não está bem! Pilotando uma nave espacial!!!?
Magal está certo ao cantar “o meu sangue ferve por você” na composição “Sandra Rosa Madalena, a Cigana”, de Livi/Cidras, de 1978. É fato científico que a temperatura das “partes” se eleva. É ciência também que os lábios de uma mulher não interessada se esfriam. Sobrepõe-se a isto o acelerar de inquietação de nosso coração quando a temperatura dos que amamos se altera, pois nos assombra o medo de perdê-los. Estes sim são nossas verdadeiras estrelas.
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