Arigatô…

“Punha alegria em tudo que tocava.” (Elmer Quick, amigo de saudosa lembrança, referindo-se à fascinante figura de seu pai, Henrique Quick)
O velho Quick, um figuraço. Infundia respeito e impunha simpatia ao mesmo tempo. No diálogo, no olhar, num simples aperto de mãos deixava agradavelmente projetada, como marca pessoal, inconfundível alegria de viver.
Mestre na arte, carregada de sutilezas, da convivência. Otimista imperturbável impregnava de alto astral os ambientes por onde circulava. Dentro de casa, no trabalho, no botequim do Plínio ou no restaurante Alpino, locais em que fazia questão de bater ponto, freguês sempre festejado, todo santo dia. Mantinha a mesma imperturbável postura num recital de arte, numa roda descontraída de colegas, ou num ato solene regido por normas protocolares rígidas. O filho Elmer, estimado companheiro de Lions, infelizmente já não mais entre nós, costumava contar sugestivas histórias do pai com emoção na voz. Relembro abaixo alguns desses casos, de rico colorido humano. Elmer assim o descrevia: “Enérgico, exigente, foi um tremendo batalhador. Punha entusiasmo e alegria em tudo que tocava. Carregava no coração muito amor e bondade.” O homem tinha mesmo o dom de espantar o negativismo ou o desânimo de qualquer vivente de mal com a vida.
Esse Henrique Quick, patriarca de conceituada família de origem alemã radicada em Minas, foi cônsul honorário da Alemanha no Estado. Atuou como gerente da Bayer e representante dos produtos da marca Wella. Gostava de música, possuindo notável capacidade para o manejo de instrumentos. Certa feita, propôs uma aposta insólita a maestro famoso, conhecido de anos. Tocaria qualquer instrumento que lhe fosse colocado na frente. O maestro, na suposição de que tudo não passasse de uma tirada bem-humorada do amigo, topou a aposta. Perdeu. Quick extraiu sons harmônicos de um punhado de instrumentos: cavaquinho, acordeom, sanfona, piano, flauta, bateria, gaita, pandeiro, por aí. Doutra feita, na Casa da Itália, surpreendeu o maestro Pastori, ao empunhar a batuta de regente e fazer-se entender pelos músicos da sinfônica, na hora de um ensaio, nalguns movimentos de peça erudita.
O saudoso Elmer Quick, volta e meia, reportava-se às proezas do pai. Foi por seu intermédio que fiquei sabendo todas essas coisas a respeito do ilustre personagem. Dos casos relatados nenhum deixou impressão mais vigorosa quanto o da participação de Henrique Quick numa convenção mundial dos revendedores da Wella em Darmstad, na Alemanha. O encontro, em clima ruidoso e cordial, reuniu gente de todos os continentes. Na imponente festa de encerramento, as honras pela condução dos trabalhos, como Mestre de Cerimônia, foram dadas a Henrique Quick. Com a temperatura emocional da festa cravada em grau máximo, iam rolando as premiações, os discursos, em inglês, ou alemão, os números de arte, dentro de programação concebida nos devidos trinques.
Eis que, possuído da maior euforia, um representante do Sol Nascente resolveu assumir o microfone. O pronunciamento foi em japonês. O Quick sugeriu ao orador, por sinais, que falasse de forma pausada, mode que facilitar a tradução. E, para estupefação geral, cuidou de verter para o alemão, frase por frase, a manifestação do japonês. No final, a ovação da plateia foi dirigida tanto ao orador quanto ao tradutor. Um alto executivo da matriz, imaginando utilizar o concurso profissional de Quick para missões extraordinárias no Oriente, abraçou efusivamente o Mestre de Cerimônia, confessando admiração pelos seus incríveis dons de poliglota. Quick deixou cair atordoante explicação: – E eu lá sei traduzir alguma palavra de japonês, além de arigatô? Foi tudo tirado na intuição. Foi só imaginar o que eu estaria a dizer na mesma situação.”
Nada mais disse, nem lhe foi perguntado.
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