Alfabetização de adultos: capacitação que transforma

Há jornadas que se iniciam em um tempo avançado da vida, mas nunca tarde demais para promover uma transformação profunda em quem as percorre. É assim com aqueles que aprendem a ler e a escrever apenas na fase adulta. Para quem foi alfabetizado ainda na infância, é difícil compreender a grandiosidade desse momento. Mas, em quem o vivencia, essa experiência provoca uma verdadeira revolução interior.
Como diretora do Instituto Marina e Flávio Guimarães, tive a emoção de conversar pessoalmente com alguns adultos que estavam prestes a iniciar um curso de alfabetização. Ouvi relatos de sonhos e planos, entre eles escrever cartas para familiares distantes, assinar o próprio nome no RG, crescer profissionalmente, ganhar mais dinheiro. Vi olhos brilharem ao mencionarem o orgulho que seus filhos sentiriam diante da conquista dos pais. Eu, filha de uma mulher que também se alfabetizou depois de adulta, sei que, mais do que orgulho, esses filhos estavam prestes a enxergar em seus pais um exemplo, assim como minha mãe é, até hoje, exemplo e inspiração para mim.
Aprender a ler e escrever é uma experiência capaz de redefinir a trajetória de uma pessoa. Vai muito além das mudanças práticas, como substituir a impressão digital por uma assinatura. O cérebro adulto possui uma notável capacidade de adaptação e desenvolvimento: novas conexões são criadas, áreas pouco estimuladas despertam. Funções cognitivas como raciocínio lógico, planejamento e resolução de problemas se fortalecem. Desenvolve-se uma compreensão mais crítica da realidade. A pessoa amplia sua percepção do mundo e, acima de tudo, ressignifica a imagem que tem de si mesma, elevando sua autoestima e sua confiança. E o impacto vai além: ao ver uma mãe, um avô, um amigo conseguir, muitos outros se reconhecem também capazes. Esse despertar inspira toda uma rede de afeto.
Por isso, a alfabetização de adultos é um catalisador poderoso para o fortalecimento da sociedade e a construção de um ambiente mais inclusivo e igualitário. Cada vez que um adulto sai da sombra do analfabetismo, ilumina não apenas o caminho à sua frente, mas também todo o seu entorno. É um processo que desencadeia um efeito dominó de mudanças positivas na comunidade – e além dela.
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Mas ainda há muito a ser feito. Segundo dados da Pnad Contínua (IBGE, 2023), a taxa de analfabetismo no Brasil entre pessoas com 15 anos ou mais era de 5,4%, o equivalente a 9,3 milhões de brasileiros. A partir dos 40 anos, esse índice quase dobra: chega a 9,8%. E, por mais que os dados indiquem uma melhora gradual ano após ano, é estarrecedor pensar que milhões de pessoas ainda não conseguem decifrar o universo de letras e números que as cerca diariamente: placas, cartazes, letreiros de ônibus, bilhetes, documentos, a primeira redação de um filho. Mais do que isso: sabemos que a alfabetização é o primeiro passo rumo a novas oportunidades de estudo, de qualificação profissional, de aumento de renda. Sem ela, as perspectivas de uma vida mais próspera se estreitam.
A boa notícia é que, por todo o Brasil, existem muitos projetos dedicados a ensinar jovens e adultos a ler e escrever. E todos nós podemos ser agentes nessa transformação.
Se você conhece alguém que ainda não foi alfabetizado, seja ponte. Fale, indique, apoie. Juntos, podemos ajudar a fazer com que novas histórias sejam escritas – e lidas.
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