O apagamento feminino nas cadeiras de poder das legaltechs

Quantas mulheres você conhece que lideram legaltech no Brasil? Se a sua resposta foi “pouquíssimas”, você não está só. Eu também tenho dificuldade de preencher os dedos de uma mão. Em meio ao boom da inovação jurídica, o protagonismo feminino segue sendo sufocado por uma engrenagem sutil — e por isso mesmo, extremamente eficiente — de silenciamento.
Estava em uma reunião junto a uma das CEOs de uma legalfintech que está voando e tentamos enumerar as mulheres que estão nessa posição para, juntas, buscarmos investir mais nelas e incentivar que buscassem mais espaço, mas foi muito difícil enumerá-las, razão pela qual me senti na obrigação de escrever esse artigo nesse momento.
Chamemos de “abafamento masculino”: um fenômeno tão estrutural quanto cultural, que vai além da exclusão. É o não-dito, o “não-te-convidaram”, o “não-sei-se-é-o-momento”, o “vamos com calma”. É o barulho do progresso abafando a presença feminina nas cadeiras de liderança das empresas de tecnologia jurídica.
Os dados não mentem — mas são quase sempre ignorados. Segundo dados globais da McKinsey, apenas 16% dos cargos de liderança em tecnologia são ocupados por mulheres. Em startups, o número é ainda mais constrangedor: menos de 10% das fundadoras são mulheres. E quando afunilamos para o universo das legaltechs, a situação é vergonhosamente silenciosa.
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Estudos não oficiais, como os mapeamentos do Legaltech Hub, da AB2L e da ABA Women of Legal Tech, indicam que menos de 15% das legaltechs ao redor do mundo contam com mulheres na liderança executiva. No Brasil, estima-se que apenas 12% das legaltechs tenham mulheres como CEOs, CTOs ou fundadoras. Isso mesmo: menos de 2 em cada 10.
Mas ninguém fala disso com a seriedade que merece. Porque no mundo jurídico-tecnológico, onde se valoriza a inovação, a narrativa dominante ainda é feita por vozes masculinas. E as mulheres? Quando estão presentes, ocupam o papel de “token”: aquela única figura feminina no board, como selo de diversidade, mas sem poder decisório real.
O universo das legaltechs — apesar do discurso moderno — ainda funciona como uma startup do Vale do Silício dos anos 90. Fechado, masculino e clubista. A diferença é que hoje o machismo não grita, ele sussurra. Ele “elogia demais”, “pede paciência”, “gosta muito da sua visão”, mas não te dá o pitch, nem o cheque. Ou pior: te convida para eventos e painéis como media partner, mas nunca como keynote.
Apesar do cenário adverso, há quem resista — e inove. Eu mesma, Priscila Spadinger, estou CEO de uma holding que investe em startups legaltechs e faço todos os dias, ativamente, uma busca séria por bons negócios liderados por mulheres e adoraria vê-las mais em posições estratégicas assim. Nomes como Cat Moon, referência em legal design e inovação na Vanderbilt Law School; Shannon Salter, à frente do Civil Resolution Tribunal no Canadá; e no Brasil, empreendedoras como Celina Salomão, fundadora da LegalTech Forelegal, provam que, quando temos espaço, criamos soluções impactantes, sustentáveis e socialmente mais justas.
Mas a exceção não pode continuar sendo usada como desculpa para manter a regra. Nós não queremos palco: queremos mesa de decisão, equity e espaço para errar e aprender, como os homens sempre tiveram. É hora de parar de romantizar o esforço hercúleo das mulheres que “conseguem chegar lá” sozinhas. Porque mérito, sem estrutura de apoio, é só sorte com muito burnout.
Um mercado jurídico-tech sem diversidade de gênero é um mercado que inova em cima das mesmas desigualdades de sempre. Quebrar essa lógica exige coragem — inclusive dos homens que dizem apoiar a diversidade. E para quem acha que estamos “exagerando”, deixo um dado simples: se continuarmos no ritmo atual, a paridade de gênero na liderança global será atingida em 131 anos. A gente não tem todo esse tempo. E nem deveria precisar pedir mais.
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