Da logomarca ao próprio nome: aposentadoria pode ser oportunidade de se libertar do CNPJ

A aposentadoria como oportunidade de se libertar do CNPJ e reconquistar a própria história
Por anos, o cartão de visitas foi a sua identidade. A logomarca vinha em destaque; o seu nome, pequeno, num canto. Viagens eram frequentes, mas raramente aproveitadas — quase sempre a serviço de reuniões e compromissos que o mantinham preso ao celular e aos e-mails. O crachá, a placa na porta, o cartão corporativo e a agenda cheia pareciam garantir segurança, mas também cobravam um preço alto: o medo constante de ser substituído, de voltar das férias e encontrar outro nome estampado no lugar do seu.
Até que chega o momento de devolver tudo isso. E é aí que começa outra viagem — dessa vez, para dentro de si.
O desligamento de um executivo de alto escalão não representa apenas uma mudança de rotina, mas a dissolução de uma imagem construída e sustentada socialmente. Ao longo dos anos, a identidade pessoal e o cargo se fundem, criando uma espécie de “eu corporativo” e vinculando o prestígio e o reconhecimento muito mais à empresa do que à pessoa. E, junto com os benefícios e a visibilidade, vem o peso das expectativas: manter postura impecável, demonstrar inteligência emocional, empatia, respeito, responsabilidade e controle das emoções — tudo sob o olhar atento de colegas, clientes, subordinados e superiores.
Essa pressão, embora disfarçada de sucesso, muitas vezes funciona como um véu que encobre questões internas. Assim como a mãe que dedica toda a sua energia aos filhos para não encarar um casamento em crise, o executivo pode usar seu trabalho para silenciar conflitos, angústias e questões incômodas.
Nesse contexto, a psicanálise pode oferecer um espaço de elaboração. Freud, em Luto e Melancolia (1917), mostrou que, diante da perda de um objeto de investimento afetivo — seja uma pessoa, uma função ou um ideal —, é preciso retirar, pouco a pouco, a energia psíquica investida, direcionando-a a novos campos. Quando isso falha, instala-se um vazio indizível.
Lacan, no Estádio do Espelho (1949), lembra que o “eu” é uma construção imaginária apoiada em identificações externas. Quando a imagem corporativa se quebra, o sujeito se depara com sua incompletude estrutural — uma perda inominável.
Mas o luto por essa perda, quando atravessado, pode levar o sujeito a descobrir que seu valor não se resume a um cargo ou posição, resgatando aquilo que existe de essência em cada um e revelando que, por trás do CNPJ, do crachá e do cartão corporativo, existe um sujeito desejante e capaz de criar e realizar, mesmo depois dessa perda.
E, partindo de Freud e evoluindo com Lacan, Miller e Laurent, a clínica psicanalítica oferece esse espaço. Não para consolar ou entregar receitas prontas de vida feliz, mas para abrir um lugar de fala, de enunciação, e oferecer ao sujeito a chance de resgatar o próprio nome, livre de logomarcas, crachás e cartões. É a oportunidade de se libertar do CNPJ e reconquistar a própria história, há tanto abandonada.
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