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O avanço do ECA Digital

Lei estabelece obrigações concretas e auditáveis para plataformas digitais, aplicativos, redes sociais e jogos eletrônicos
O avanço do ECA Digital
Foto: Reprodução Freepik

A sanção da Lei nº 15.211/2025, batizada de ECA Digital, inaugura uma nova era para o ambiente on-line no Brasil. Mais do que um ajuste legislativo, trata-se de uma mudança de paradigma: a proteção da infância e da adolescência deixa de ser um princípio aspiracional para se tornar um imperativo regulatório com consequências jurídicas, financeiras e reputacionais.

A lei consolida pilares já presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas avança ao estabelecer obrigações concretas e auditáveis para plataformas digitais, aplicativos, redes sociais e jogos eletrônicos. O que antes dependia da boa vontade das empresas agora se transforma em dever legal, com sanções que podem alcançar até 10% do faturamento do grupo econômico no País.

O ECA Digital exige que serviços acessíveis a menores adotem medidas de proteção “by design” e “by default” – ou seja, desde a concepção e com máxima proteção configurada por padrão. Isso inclui mecanismos confiáveis de verificação de idade, a vinculação obrigatória de contas de adolescentes a seus responsáveis, a supervisão parental efetiva e a limitação de recursos que incentivem uso compulsivo, como a reprodução automática de conteúdo.

Ao vedar o perfilamento publicitário, as loot boxes e a monetização de conteúdos que erotizem ou exponham crianças, a lei atinge diretamente o modelo de negócios das big techs e da indústria de games. Não é apenas uma questão de compliance; é uma reestruturação de mercado.

Do ponto de vista empresarial, o prazo de apenas seis meses para adequação impõe uma corrida contra o tempo. Empresas terão de revisar fluxos de dados, redesenhar produtos, reavaliar contratos com terceiros e implementar relatórios de transparência, sob pena de enfrentar multas milionárias e até suspensão de atividades.

Para as famílias, a lei traz maior controle e previsibilidade sobre a experiência digital dos menores. O discurso da “responsabilidade compartilhada” entre pais e plataformas ganha, enfim, um instrumento jurídico robusto.

O ECA Digital aproxima o Brasil de marcos regulatórios internacionais, como o Age Appropriate Design Code do Reino Unido e a Digital Services Act europeia. Mais do que copiar modelos, a lei brasileira adiciona a eles uma particularidade: a previsão de extraterritorialidade, obrigando empresas estrangeiras a terem representante legal no país para responder perante autoridades.

Outro ponto de destaque é a transformação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados em agência reguladora autônoma, com competência para fiscalizar, normatizar e aplicar sanções em cooperação com Anatel e CGI.br. Essa mudança institucional confere mais robustez ao enforcement regulatório.

Se a lei representa um avanço inequívoco, sua efetividade dependerá da capacidade das empresas em implementar soluções tecnológicas auditáveis e da atuação firme das autoridades na fiscalização. O risco é que a norma se transforme em um checklist formalista, sem impacto real na proteção da infância.

Mais do que nunca, será necessário que empresas, famílias, governo e sociedade civil caminhem juntos. Afinal, o ambiente digital não pode continuar sendo uma terra sem lei para crianças e adolescentes. O ECA Digital, ao menos no papel, promete mudar esse cenário. Cabe agora transformar letra de lei em prática cotidiana.

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