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Como a escalada entre Irã e Israel virou teste real para a economia global e para os limites da resiliência brasileira

Desde o último final de semana, a escalada militar entre os países ganhou contornos inéditos
Como a escalada entre Irã e Israel virou teste real para a economia global e para os limites da resiliência brasileira
Foto: Evelyn Hockstein / Reuters

O que parecia mais um episódio localizado da longa tensão entre Irã e Israel transformou-se, em poucos dias, num fator de desestabilização real para a economia global. Desde o último final de semana, a escalada militar ganhou contornos inéditos: Israel atacou diretamente instalações nucleares em Natanz e refinarias estratégicas no Irã. Em resposta, Teerã lançou mais de 150 mísseis e mais de 100 drones contra cidades como Jerusalém, Tel Aviv e Haifa, atingindo infraestrutura urbana e energética. O mundo financeiro reagiu com a velocidade típica dos choques geopolíticos: o preço do petróleo Brent saltou mais de 13%, o WTI avançou 14%, e as bolsas de Nova York e da Europa recuaram entre 1% e 1,4%.

O impacto imediato no mercado de energia foi só o início. A possibilidade de um bloqueio no Estreito de Ormuz, rota por onde passa cerca de 30% do petróleo mundial, disparou os prêmios de risco nos contratos futuros. As seguradoras marítimas elevaram os custos de cobertura para cargas na região, e transportadoras começaram a redesenhar rotas logísticas para evitar áreas de conflito. Mesmo com uma leve correção de preços nos últimos dois dias, puxada por análises que apontam para um esforço diplomático de contenção, o risco permanece sobre a mesa. Na prática, cada barril de petróleo hoje carrega um prêmio de incerteza.

Essa combinação de petróleo mais caro, dólar fortalecido e fuga de capital de países emergentes colocou os bancos centrais em alerta. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve já reconhece que o choque pode reverter parte do alívio inflacionário conquistado desde o início de 2024. Na Europa, o BCE também recalibra projeções. E no Brasil, o Banco Central, que trabalhava com a hipótese de cortes adicionais na Selic ainda neste ano, agora passa a considerar a possibilidade de pausa ou até mesmo de uma nova alta, caso o cenário de pressão inflacionária se consolide.

O efeito no Brasil começa a se espalhar por diferentes canais. Nos combustíveis, o repasse às bombas é inevitável. A Petrobras, mesmo com ajustes recentes na política de Preço de Paridade de Importação (PPI), segue exposta ao movimento internacional. Regiões como Norte e Nordeste, com maior dependência de transporte rodoviário de longa distância, sentirão primeiro. Além disso, o efeito cascata se alastra: fertilizantes, defensivos agrícolas, frete, energia elétrica e alimentos entram na conta. Modelos de sensibilidade indicam que cada US$ 10 de alta no barril pode agregar até 0,2 ponto percentual ao IPCA.

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Mas os impactos vão além do petróleo. O fluxo de capital estrangeiro começa a rarear. Fundos de investimento, que até semanas atrás ampliavam exposição ao Brasil, agora reduzem posições. O CDS brasileiro abriu 30 pontos-base nos últimos dias, encarecendo o custo de captação externa. Empresas que planejavam emissões internacionais de dívida já começam a adiar operações, temendo spreads mais altos. O real, pressionado, perde força frente ao dólar, o que torna mais cara toda a cesta de importados, de eletrônicos a insumos industriais.

A logística internacional também entra em modo de crise. O custo dos fretes marítimos sobe, especialmente para cargas que tradicionalmente cruzavam o Golfo Pérsico ou o Canal de Suez. Exportadores brasileiros de carnes, grãos e manufaturados terão que arcar com prêmios adicionais em seguros de transporte. Já o setor de turismo e aviação sofre em dois flancos: queda na demanda internacional e aumento imediato no preço do querosene de aviação. Companhias aéreas e operadoras de turismo começam a revisar suas projeções de receita para o segundo semestre.

O agronegócio brasileiro, sempre sensível a movimentos de câmbio e insumos, enfrenta um paradoxo. Por um lado, a valorização do dólar melhora a competitividade das exportações de soja, milho e carnes halal. Por outro, o aumento no custo dos fertilizantes e defensivos agrícolas, combinado com o encarecimento do frete, pressiona margens. Estados como Goiás, Mato Grosso e Paraná, que lideram as exportações de commodities, devem experimentar esse misto de ganho em receitas externas e alta nos custos internos.

No cenário fiscal, a equipe econômica já começa a revisar projeções. O risco de que o governo seja forçado a ampliar gastos emergenciais, para mitigar os efeitos sobre as famílias de menor renda, aumenta. Isso pode comprometer a meta de equilíbrio primário e alimentar novas incertezas nos mercados. A inflação de alimentos, combustíveis e energia já ameaça inverter a trajetória de desaceleração do IPCA que vinha sendo registrada nos últimos meses.

Analistas traçam três cenários possíveis para os próximos 30 a 90 dias. No primeiro, de contenção diplomática, o barril se estabiliza entre US$ 80 e US$ 90, com impactos administráveis. No segundo, de escalada militar, o Brent pode romper os US$ 120 ou até os US$ 150, com efeitos severos sobre inflação, juros e atividade econômica global. No terceiro, mais provável no curto prazo, um prolongamento das tensões com episódios de violência pontual, mantendo os mercados em estado de volatilidade permanente.

Para o consumidor brasileiro, os sinais já são claros: aumento da gasolina, pressão sobre o transporte público, energia elétrica mais cara e alimentos com reajustes frequentes. O Banco Central, por sua vez, terá de escolher entre segurar a inflação ou preservar a atividade econômica. Em Brasília, o governo tenta equilibrar política monetária, política fiscal e proteção social, tudo ao mesmo tempo.

O fio da navalha ficou mais fino. E se a geopolítica parece distante no mapa, ela já está chegando ao bolso dos brasileiros.

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