COP para quem?

“COP para quem?” é uma pergunta que ecoa com força crescente a cada nova Conferência do Clima. A COP29, realizada em Baku, Azerbaijão, mais uma vez escancarou as distâncias entre quem toma as decisões e quem vive, diariamente, os impactos da crise climática. Embora tenha sido firmado um novo compromisso de financiamento climático global — US$ 300 bilhões anuais até 2035 — o valor ainda está muito aquém dos US$ 1,3 trilhão por ano exigidos por países do Sul Global. Enquanto isso, essas nações perdem até 5% do PIB por eventos climáticos extremos e, em muitos casos, já dedicam quase 10% de seus orçamentos públicos para lidar com os danos.
Avanços técnicos ocorreram, como a definição de regras para o Artigo 6 do Acordo de Paris, que regula os mercados de carbono. Mas até mesmo esses mecanismos levantam preocupações sobre justiça: sem critérios claros de participação popular, correm o risco de beneficiar quem mais polui, e não quem mais sofre. E a desigualdade se revelou até na composição do comitê organizador da COP29, inicialmente formado apenas por homens — mulheres só foram incluídas após pressão internacional. Vale lembrar que elas têm até 14 vezes mais chances de morrer em desastres climáticos do que os homens, de acordo com estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, da ONU.
A escolha do Azerbaijão, um país dependente de petróleo e gás, com histórico de repressão a jornalistas e ativistas, também gerou críticas, pois o local da conferência não foi neutro. Isso é extremamente importante pois ele molda o tom do evento, define limites (explícitos e implícitos) e reforça desigualdades. Enquanto isso, representantes de comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e jovens do Sul Global lutam para garantir credenciamento e passagens — quando não são excluídos do processo decisório por completo.
Já a próxima edição da conferência, a COP30, será realizada em Belém do Pará, no coração da Amazônia brasileira. Isso representa uma oportunidade histórica — e um grande teste. Pela primeira vez, uma COP será realizada em meio à maior floresta tropical do planeta, palco de conflitos socioambientais, desmatamento, resistência popular e biodiversidade ameaçada. Belém não pode ser apenas o cenário: precisa ser o símbolo de uma virada. Democratizar a COP é fazer com que as vozes indígenas, ribeirinhas, quilombolas, de mulheres e jovens não só estejam presentes, mas influenciem os acordos. A floresta não é só um ativo de carbono — é casa, cultura e vida para milhões de brasileiros.
Portanto, é hora de romper com a lógica da conferência-clube, dominada por chefes de Estado, CEOs e diplomatas distantes da realidade. A COP30 precisa ser transparente, participativa e financeiramente ambiciosa. Deve consolidar o chamado “roadmap de Baku a Belém” para atingir US$ 1,3 trilhão em financiamento anual, fortalecer o Fundo de Perdas e Danos — que segue subfinanciado — e garantir que os compromissos sejam vinculantes e fiscalizados. .
A crise climática já mata, desalojando milhões e intensificando injustiças históricas. O que está em jogo não é apenas o clima, mas o futuro da equidade global. A COP30 pode ser a conferência da escuta ou da omissão. Resta saber se o mundo ouvirá, enfim, quem vive a crise — ou continuará falando apenas entre os mesmos.
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