Por que os dados econômicos não refletem em melhora na avaliação política do Brasil?

A popularidade de governos ao longo da história mais recente das democracias estava intimamente ligada aos resultados econômicos que eram atribuídos às diversas ações ao longo dos mandatos dos primeiros-ministros e presidentes democraticamente eleitos. Via de regra, assistimos que, quando governos entregavam crescimento econômico, o crescimento do PIB, quedas da taxa de desemprego, diminuição das taxas de juros e outros fatores que têm um forte apelo no bolso dos eleitores, geralmente significava um aumento direto na aprovação de governos e muitas vezes isso se refletia em uma ‘chave’ para reeleições.
Entretanto, os fatos se mostram diferentes nos últimos anos. Se pegarmos os exemplos do Brasil e dos Estados Unidos, observamos nitidamente uma desassociação entre os resultados econômicos entregues pelos governos incumbentes e o resultado que está sendo sentido pelos eleitores. Vejamos o caso dos Estados Unidos, onde o PIB de 2023 foi de 2,5% chegando a um PIB total de 27,3 trilhões de dólares, ampliando a distância com relação à China e mantendo uma taxa de desemprego de 3,9%, o que podemos considerar pleno emprego.
Apesar de apresentar-se com uma inflação ainda acima dos 3%, o desempenho positivo da economia americana puxa o PIB do mundo e gera um efeito de bull market nos mercados financeiros, mas isso não consegue se refletir em uma melhora na aprovação do presidente Joe Biden, tanto de eleitores republicanos quanto de democratas. Se as eleições dos Estados Unidos fossem hoje, a possibilidade real seria uma vitória do ex-presidente Donald Trump, principalmente nos chamados Swing States.
O caso do Brasil é similar quando analisamos os dados econômicos de 2023. Tivemos um crescimento do produto interno bruto de 2,9% contra diversas análises adversas. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego em janeiro de 2024 ficou em 7,8%, algo muito baixo para os padrões brasileiros, posto que se chegarmos em torno de 6%, poderemos considerar um nível de pleno emprego para uma economia em desenvolvimento. A taxa de juros, apesar de alta, vem diminuindo há seis reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) seguidas e deve continuar com essa tendência. Apesar de existirem problemas fiscais tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, esses foram considerados bons resultados econômicos.
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Pode-se criticar a qualidade dos números, ou que dificilmente eles devem se repetir, mas, em tese, esses números deveriam se refletir em uma melhora da aprovação do governo brasileiro e americano, algo que não está sendo observado nas últimas pesquisas de opinião. Por que a economia não se reflete em melhora na avaliação política? O eleitor parou de pensar com o bolso?
Acredito que existem duas forças ocorrendo de maneira similar tanto na América do Norte quanto na América do Sul. O primeiro é que a polarização se exacerbou de uma maneira tão forte que transcendeu noções de esquerda e direita, e isso passou a representar e solidificar um “nós contra eles” tão radical que não importa nem mesmo a melhora econômica pessoal, já que outros fatores irão subjugar esses ganhos.
Alguns desses parecem ser claros como o posicionamento de lados em relação aos conflitos internacionais, a relativização de conceitos bastante concretos como democracia ou liberdades individuais e principalmente o fato de que as campanhas eleitorais estão prometendo um “herói” que irá resolver todos os problemas da sociedade e, na realidade, ao ser eleito não consegue promover nem a metade do que debateu meses atrás. Muitos de seus pontos ideológicos antes defendidos passam a ‘evaporar’ em busca apenas da popularidade de uma parcela da população ou para não desagradar outra.
A meu ver, esses são sintomas de um problema mais profundo e complexo que é a crise do presidencialismo nas democracias. Duas das principais democracias presidencialistas do planeta entraram em uma espécie de “modo parafuso” com eleições cada vez mais personalistas, colocando as ideias dos partidos em segundo plano e criando um ambiente no qual os candidatos se tornam quase líderes incólumes, livres de qualquer perigo ou ameaça, donos de uma verdade absoluta para boa parte dos eleitores, quando na verdade assisti-se a produtos de marketing e propaganda ou apenas a uma transferência de votos para não eleger o rival. As ideias fundamentais e os sérios problemas nacionais se tornam peças figurativas, muitas vezes perdendo espaço para debates triviais sobre “prender o oponente” ou “viver o comunismo” ou até mesmo o simples “retomar o passado”.
Neste contexto, inicia-se amplamente no Brasil o debate sobre o semipresidencialismo e, nos Estados Unidos, surge um importante questionamento sobre o sistema bipartidário. Contudo, acredito que o problema a que assistimos está sendo tratado com uma visão cada vez mais errônea com a qual a política está focada nos líderes políticos como grandes reformadores sociais. Ao analisarmos as democracias que marcaram no século XXI e que estão proporcionando uma melhor qualidade de vida para a população, e que ao mesmo tempo demonstram uma robustez econômica, essas são aquelas que na maioria dos casos são parlamentaristas, mas não acredito que essa seja uma relação de causa e consequência direta.
A característica mais importante é que, seja de esquerda ou de direita, tais nações colocam seus partidos no centro do debate público para debater ideias e planos de governo de maneira clara e objetiva, em que seus líderes defendem suas ideias e seu grupo político passa a ter o comprometimento claro de implementá-las caso seja eleito, não havendo em hipótese alguma uma transmutação na qual o líder do partido passa a ser superior ao partido ou aos seus ideais.
Se não colocarmos no cerne dos debates brasileiros ideias e princípios de país, e nos mantermos eternamente presos apenas aos líderes de plantão, nem mesmo os bons resultados econômicos serão capazes de fazer o Brasil avançar como uma sociedade justa, inclusiva, próspera e desenvolvida. Por consequência, o aumento da polarização irá anular qualquer chance de ganhos políticos nas futuras gestões.
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