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Democracia e saneamento

Acesso à habitação e saneamento é fundamental para a plena participação na sociedade
Democracia e saneamento
Foto: Carlos Barria/Reuters

Maria vive no interior do Maranhão com seus 3 filhos pequenos: Inácio, João e Keila. São cidadãos brasileiros dotados de direitos iguais, de acordo com a Constituição. Possuem esperanças, sonhos e medos como todos nós, mas estão longe de ser cidadãos iguais num sentido abrangente. Na verdade, entre 90 milhões de brasileiros, são pessoas que não têm acesso à coleta de esgoto adequada, conforme o Ranking do Saneamento 2024, do Instituto Trata Brasil.

Se essas crianças não morrerem por doenças de veiculação hídrica, provavelmente serão adultos com desempenho insatisfatório na escola, aprendizado comprometido, menor nível de renda e poucas oportunidades. Assim poderão estar vulneráveis a apelos autoritários, uma vez que a pobreza está embutida nas próprias estruturas da sociedade e normalmente é mantida por uma distribuição desigual do poder político.

Nessa história, apenas os nomes são fictícios. A situação é mais real do que se imagina. A falta de saneamento é um problema da ordem da democracia.

O Ranking do Saneamento investiga apenas os cem municípios mais populosos do Brasil. Fora destas grandes cidades, a situação é mais precária. A região Norte se destaca no cenário de urgência, com os piores índices de coleta adequada de esgoto. Cinco das suas capitais estão entre as 20 piores, com Porto Velho ocupando a última colocação, seguida por Macapá. As outras três são Rio Branco, Belém e Manaus.

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Esta situação de carência é frequentemente chamada de “pobreza” e, embora esta expressão possa nos levar a pensar que o problema é o dinheiro, refere-se à falta de acesso aos próprios direitos. Por isso, é difícil levar a sério o futuro do Brasil quando essas comunidades não têm seus direitos garantidos e dependem de “favores” políticos como caminhões-pipa e cestas básicas.

Sem ter acesso aos direitos fundamentais, as pessoas deixam de participar plenamente na vida cívica. O acesso à habitação e saneamento é crucial para a plena participação na sociedade. Uma casa com água tratada e esgoto oferece mais do que abrigo, gera a estabilidade que ajuda um adulto a manter seu emprego, permitir que os filhos tenham saúde e participem da escola. Tudo isso é requisito para se ter dignidade, cidadania e pertencimento social.

É preciso ter políticas públicas que assegurem a proteção e a saúde das pessoas. Imagine a casa da Maria e seus filhos quando o Estado não provê o básico. “Meu voto não conta.” É o que pode pensar essa família que enxerga o Estado indiferente à sua falta de direitos. Só um governo democrático pode proporcionar uma oportunidade para os indivíduos exercitarem a liberdade de autodeterminação, ou seja, viverem conforme sua própria escolha.

Assim, por questão de desenvolvimento, dignidade humana e inclusão social, o saneamento para todos é uma peça-chave para a nossa democracia. Um copo de água tratada não pode continuar a ser privilégio.

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