EUA está minando a próxima grande evolução em IA

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos realizaram o impensável: reuniram as maiores mentes da física mundial para um projeto ultrassecreto que mudaria os rumos da história — o Projeto Manhattan. Refugiados judeus, cientistas britânicos, canadenses e uma elite americana trabalharam juntos para desenvolver a bomba atômica. Além do feito técnico, a operação foi um marco diplomático e logístico, possível graças à capacidade dos EUA de atrair talentos globais e unir indústria e academia em torno de um propósito. A história, recontada pelo premiado filme Oppenheimer, é uma lembrança do papel estratégico da ciência nas grandes viradas da humanidade.
Hoje, vivemos um momento semelhante. A inteligência artificial é a nova “energia nuclear”: uma tecnologia de uso transversal, com potencial para gerar ganhos massivos de produtividade e também criar instrumentos poderosos de controle e destruição. Por isso, tornou-se questão central na disputa entre potências. O controle dos dados — insumo essencial para o desenvolvimento de IAs — virou o novo campo de batalha, com gigantes como Microsoft, Alphabet, Meta, Tencent e Alibaba disputando a liderança tecnológica.
No centro desse embate estão EUA e China. Desde 2022, Washington impôs uma série de restrições à exportação de semicondutores à China, buscando conter o avanço chinês em IA generativa. Agora com a guerra tarifária, o governo afasta e cria ruído até mesmo com os países que são aliados históricos.
A ironia é que essa estratégia pode estar gerando o efeito oposto ao que fez os EUA serem bem sucedidos com o Projeto Manhattan. Um exemplo é a Deepseek, startup chinesa que surpreendeu o mercado ao apresentar avanços inéditos em treinamento de modelos de IA, desvalorizando ações da NVIDIA em centenas de bilhões de dólares. A motivação? Superar o bloqueio imposto pelos EUA. Ou seja, criaram um propósito que fez cerca de 200 engenheiros trabalharem até o limite para superar as restrições americanas.
O isolamento atual se reflete também no ambiente acadêmico. Recentemente, Donald Trump bloqueou cerca de US$ 2,2 bilhões em recursos federais para Harvard, após a universidade se recusar a atender exigências ideológicas. É emblemático: foi ali que nasceu o Facebook, criado por Zuckerberg e Saverin. Hoje, universidades como Harvard e o MIT enfrentam barreiras que limitam a entrada e permanência de talentos globais, com vistos cancelados por motivos banais. Um ambiente que antes atraía mentes brilhantes do mundo inteiro, agora se torna hostil à inovação.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Inovação exige diversidade, abertura e confronto de ideias. É muito difícil criar avanço tecnológico disruptivo real sem um ecossistema globalizado e colaborativo. O filme Oppenheimer mostra como o esforço coletivo, movido por um propósito comum, levou a descobertas históricas. Ao transformar colaboração em risco geopolítico, os EUA podem estar se afastando de sua própria fórmula de sucesso.
Se querem liderar a próxima revolução tecnológica, os americanos precisam resgatar a lição do passado: nenhuma grande inovação se faz sozinho. Com a inteligência artificial, não será diferente. E caso Washington não entenda isso profundamente, talvez esse possa ser o início do fim da sua hegemonia global.
Ouça a rádio de Minas