Evitar o ‘juridiquês’ aproxima e democratiza o Direito

Durante muito tempo, acreditou-se que o chamado “juridiquês” era sinal de autoridade. Textos cheios de expressões em latim e termos técnicos inacessíveis ao público leigo eram marca registrada da prática jurídica. Mas a consequência desse modelo está diante de nós: um sistema distante das pessoas que deveria servir. É nesse cenário que a Linguagem Clara surge como condição ética e funcional para o futuro do Direito.
Não se trata, como alguns podem pensar, de simplificar a ponto de empobrecer o texto de um contrato ou uma decisão judicial, nem de “infantilizar” a comunicação. A Linguagem Clara é uma metodologia de escrita e fala que busca garantir que qualquer pessoa, independentemente do seu nível de escolaridade, consiga compreender informações jurídicas que afetam diretamente sua vida. É, em outras palavras, a ponte entre o mundo técnico e a realidade do cidadão.
Como lembra a organização internacional Plain Language Action and Information Network (PLAIN), escrever de forma clara significa pensar no receptor final da informação, o leitor. Isso exige empatia, frases diretas, escolha consciente de palavras e explicação dos termos técnicos ou incomuns que não puderem ser evitados. Afinal, a clareza textual está no coração da própria ideia de justiça. Quando documentos são escritos em linguagem inacessível, criam-se barreiras que excluem cidadãos do processo decisório. Sem entender seus direitos, deveres e possibilidades de escolha, as pessoas tornam-se reféns da mediação de terceiros (advogados, juízes etc).
A comunicação clara democratiza o conhecimento jurídico, reduzindo as disputas causadas por mal-entendidos. É também um ato de boa-fé: o emissor da mensagem demonstra lealdade com o receptor, oferecendo-lhe a chance de compreender plenamente e tomar decisões informadas. Não por acaso, estudiosos como Bryan Garner defendem que a clareza, no Direito, é também uma “virtude moral”. Profissionais e instituições que se comunicam de forma clara transmitem respeito pela inteligência e pela autonomia de seus interlocutores.
E em tempos de crescente desconfiança nas instituições, esse pode ser um dos caminhos mais eficazes para reconstruir a credibilidade. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já deu passos importantes: a Recomendação nº 144/2023 orienta tribunais a usarem linguagem simples em seus atos, e o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples vem estimulando projetos em todo o país. Em 2023, o CNJ criou até o Selo Linguagem Simples, que reconhece boas práticas de comunicação no Judiciário. Além disso, leis anteriores, como a Lei de Acesso à Informação (2011) e a Lei Geral de Proteção de Dados (2018), reforçam a exigência de clareza textual como condição de validade.
No fim das contas, a pergunta que precisamos fazer é simples: de que serve um direito que não pode ser entendido por quem dele precisa? Utilizar a Linguagem Clara é um gesto de inclusão, transparência e respeito.
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