O executivo do bem: como promover bem-estar e oportunidades pela inclusão

“Você vende o quê?” Se essa pergunta for feita a Leo Martins, CEO da ONG “O Grito” e gerente nacional da organização Gerando Falcões, ele poderá simplesmente responder: “Eu distribuo o bem!”
Isso mesmo, o bem. O contrário de mal. No sentido de “bem-estar” para pessoas em situação de necessidade social. Um “bem” que se traduz em capacitação, inclusão, geração de oportunidades, formação de lideranças, implantação de projetos comunitários. Que envolve aconselhamento pessoal e o desenho de planos de vida para que as pessoas construam caminhos para saírem do ciclo de pobreza. Ele vende projetos de esperança.
Certo. Mas onde ele “vende” isso? Em nada menos que 5.500 favelas brasileiras, 50% do total das mais de 10 mil favelas existentes no Brasil, segundo o último censo do IBGE (2022). Nessas localidades, ele acompanha projetos levados adiantepor 2.228 lideranças comunitárias. A agenda de trabalho é alucinante, semelhante à de um executivo de empresa com operações em todo o País.
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Às segundas-feiras, reunião de estratégia com a diretoria da Gerando Falcões em São Paulo, outra com o time de backoffice, para verificação de projetos de todo o Brasil. Às terças, reuniões com os grupos de lideranças da Gerando Falcões de todo o Brasil, das áreas jurídica, administrativa, comunicação, gestão de parcerias e outros. Às quartas, reuniões individuais com gerentes, para a checagem de projetos específicos. Às quintas, encontros com empresas parceiras dos projetos. Já às sextas, sempre em Minas, reuniões no âmbito da ONG O Grito, fundada por ele.
Ele viaja todas as semanas. As reuniões podem ser em São Paulo, Recife, Manaus ou qualquer cidade onde sua presença é necessária. Ele se desloca muito, por isso as reuniões são, em sua maioria, on-line. Ele se conecta nos aeroportos, no uber ou nos quartos de hotel onde se hospeda.
Na sua agenda estão, ainda, negociações com donos de banco (o Banco BMG é o maior patrocinador da ONG O Grito), com empresários, com a Fundação Dom Cabral. Em 2023, por exemplo, assinou protocolo com o governador Romeu Zema para transformar um dos projetos que coordena, a “Favela 3D” (de Digna, Digital e Desenvolvida) em um modelo de desenvolvimento para as favelas mineiras.
“Quero ser aquilo que eu quiser ser” – Apesar de trabalhar como um executivo de grande empresa, Leo Martins não procura recompensa financeira ou fama: ele trabalha movido por um idealismo profundo, reflexo de uma história de vida dramática – e de uma virada de destino espetacular.
Ele nasceu no Vale do Jequitinhonha em 1985, filho de lavrador e de mãe professora. Quando tinha seis anos, o pai, a mãe, Leo e suas duas irmãs se mudaram para a Região Metropolitana de Belo Horizonte e terminaram em Ribeirão das Neves. As dificuldades despertaram seu espírito empreendedor: como ele desenhava bem, fazia capas de trabalhos de escola para os colegas. O dinheirinho que recebia ajudava na compra de alimentos para a casa.
Por conta da violência doméstica, a mãe decidiu morar só, com os filhos, em situação muito precária. Ele manteve o relacionamento com o pai, com quem trabalhava na construção civil, mas um dia, o pai foi embora. “Ele nem se despediu de mim, ele não me ama”, concluiu Leo, que à época tinha 16 anos. “Entrei em depressão profunda. Não comia nem bebia. Emagreci 20 quilos”, lembra ele.
Foram mais de dois anos de torpor. Até que um dia, levado por uma irmã, encontrou-se com um atendente de posto de saúde que tinha formação em psicologia. Conversaram muito. “Quando saí de lá, senti uma fome muito grande”, comenta Leo. Começava, então, sua recuperação. Ele lembra o ponto da virada.“Estava tomando banho, e pensei: não quero ser fruto do que me aconteceu, quero ser aquilo que eu quiser ser.”
Fez a barba e foi à luta. Virou garçom de lanchonete, trabalhou em uma empresa de logística. Abriu uma loja de açaí, depois uma sorveteria. Nesse meio-tempo, encontrou Alessandra, com quem namorou e se casou, aos 23 anos. Voltou para a construção civil.
“Para onde vai o que você não fala?” – Um dia, viu um projeto técnico nas mãos de um engenheiro. “Como gostava de desenhar, me apaixonei por aquilo”, conta. Decidiu estudar, mas a mensalidade do curso era todo o seu salário. “Não tinha dinheiro nem para as lapiseiras”, diz ele. Alessandra deu apoio e o sogro também ajudou. Ao final, sempre com notas máximas, formou-se em Tecnólogo em Design de Construção Civil e, logo depois, coordenava equipes em um escritório de arquitetura.
A vida parecia bem encaminhada, mas ele queria mais. Desde 2013, de maneira voluntária, organizava uma “rua de lazer para crianças” de sua comunidade. “Queria criar um dia de alegria para crianças que passavam a mesma coisa que eu passei, vivendo em ansiedade e exclusão”, justifica ele. Sem dinheiro, apelava para brincadeiras simples: corrida de saco, pular corda, dança das cadeiras. Logo, estava juntando mais de 400 crianças e chegou a replicar a experiência no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Decidiu então criar uma ONG e, em 2016, nascia O Grito, em Ribeirão das Neves. Chamou alguns amigos. “Você vai ser diretor tesoureiro, você administrativo…”, ri Leo, lembrando o espanto dos colegas. Oito deles concordaram em contribuir com R$ 20 por mês, totalizando R$ 160 mensais, o primeiro orçamento. Abriu um espaço de 12 metros quadrados. Oficinas de cultura, cursos de inglês, informática, artesanato. No salão da igreja, oferecia aulas de ballet. Logo, estava envolvendo centenas de meninos e meninas nas atividades.
Por quê “O Grito”? “Só depois descobri que o nome veio daquele momento em que conversando, me libertei”, sugere Leo. Ele acha que é uma manifestação de liberdade e empoderamento também: “Para onde vão as palavras que não falamos?”, pergunta-se.Toda essa expressividade que fica guardada, segundo ele, deve ser usada para promover a própria pessoa.
“Sonhar grande e aprender a executar pequeno” – Em 2018, ele conheceu a organização Gerando Falcões, um ecossistema de desenvolvimento social, que atua em rede para “acelerar o poder de impacto de líderes de favelas de todo país”, para “colocar a pobreza das favelas no museu”. A entidade tem o apoio de gente pesada, como o megaempresário Jorge Paulo Lemann. Leo participou de um processo seletivo e foi escolhido para ser um dos cinco líderes nacionais da organização, responsável por Minas e Espírito Santo.
Em 2019, com uma doação da empresa Tambasa, alugou uma casa, comprou apetrechos e decidiu dedicar-se integralmente ao projeto social. Largou o emprego e abraçou a causa da Gerando Falcões e d’O Grito. As coisas demoraram a engrenar. “Passei o pior ano da minha vida, cheguei a ter a luz de casa cortada por falta de pagamento”, recorda-se Leo, que, naquela época, já era pai de duas meninas.
Mas seu trabalho chamou a atenção e ganhou a confiança de empresários como Rubens Menin e Salim Mattar, entre outros, que indicaram O Grito para gerenciar um fundo de quase R$ 3 milhões na época da pandemia. A operação montada por Leo Martins conseguiu distribuir 45 mil “cestas digitais” (por meio de cartão) em 14 municípios da grande BH.
Em 2020, O Grito ganhou o troféu “Falcão Ouro” de melhor ONG do Brasil. O segredo: “Organização, cuidado com o detalhe, transparência. Desde que nosso orçamento era de R$ 160, eu sempre fiz questão de manter a contabilidade em dia”, detalha. “Temos de sonhar grande, mas temos de aprender a administrar o pequeno, só assim conseguimos avançar”, ensina ele.
“O coração da criança é de quem chega primeiro” – Hoje, com ajuda da Fundação Dom Cabral, O Grito está se preparando para usar Power BI e IA em suas atividades, que estão crescendo. Há a Casa Sonhar, uma parceria com a Construtora Patrimar, que atende a 200 crianças, sendo 80 delas em período integral. E O Grito está expandindo. Há uma grife (Griffite) para a confecção de roupas e apetrechos, e um “outlet” para a venda.
O modelo de negócios, desde 2022, envolve um jantar beneficente. O deste ano aconteceu na segunda-feira (21/10), no espaço Far East, em Nova Lima (que não cobra aluguel d’O Grito). Teve 30 empresas patrocinadoras e mais de 400 pessoas compraram ingressos de valor elevado. O objetivo de arrecadação foi superado e será suficiente para custear todas as atividades da ONG em 2025.
As crianças continuam sendo prioridade. Cursos, brincadeiras e reforço escolar estão na pauta das atividades. Vale à pena? “O coração da criança é de quem chegar primeiro”, recita Leo. “Quando a criança pratica esporte, ela faz mais do que exercício, ela aprende a ter disciplina, rotinas, a trabalhar em grupo. Ela está em companhia de amigos, longe das ruas e do tráfico”, diz ele.
As atividades incluem adultos, que podem fazer cursos, mas também recebem atenção, por meio de conversas e acompanhamento. “Queremos fortalecer o sentimento comunitário. A comunidade é de todos”, exemplifica Leo. Dessa forma, reforça-se o conceito de cidadania, dos direitos e deveres de cada um, de como utilizar órgãos governamentais, como usar atendimento jurídico.
Qual o impacto disso tudo? Se fosse CEO de uma empresa normal, Leo Martins poderia dizer, em seu discurso, que somente a ONG O Grito já possui mais de “300 mil clientes” satisfeitos. Muita gente a quem fazer o bem.
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