Famílias empresárias e o teste do tempo: como garantir o sucesso além da terceira geração?

O ditado popular “pai rico, filho nobre, neto pobre” não surgiu à toa. A história das empresas familiares é frequentemente marcada por um ciclo previsível: a primeira geração constrói o negócio com muito esforço, a segunda o expande e a terceira, se não houver um planejamento sólido, pode dissolvê-lo. A grande questão não é apenas alcançar o sucesso empresarial, mas garantir que ele se sustente ao longo das gerações. Essa longevidade depende de três fatores fundamentais: crescimento dos ativos, desenvolvimento de talentos e a união em torno de um propósito compartilhado. Sem o desenvolvimento desses pilares, a trajetória de muitas empresas familiares corre o risco de se encerrar precocemente.
O primeiro grande desafio é o crescimento dos ativos. À medida que a família cresce, aumenta também o nível de qualidade de vida e algumas vezes a dependência por dividendos. Se o crescimento dos ativos acontece a uma taxa menor que o crescimento do consumo da família, o patrimônio diminui. Além disso, nesse cenário, a atratividade do portfólio de ativos para os membros familiares também reduz. O planejamento financeiro, o rigor no controle de custos, a busca por novas oportunidades de negócios e o preparo dos familiares para não serem dependentes de dividendos são essenciais para manter a relevância do empreendimento familiar ao longo do tempo.
O segundo aspecto crítico é o desenvolvimento de talentos, familiares e não familiares. A transição de comando dentro de uma empresa familiar nem sempre é simples. Se na primeira geração o fundador exerce múltiplas funções — dono, gestor e líder familiar —, nas gerações seguintes, essas responsabilidades se dividem entre irmãos, primos e outros parentes. Se não houver um esforço deliberado para desenvolver talentos e preparar sucessores competentes, o risco de desorganização aumenta. Afinal, o que foi construído com esforço pode se perder se não houver quem saiba administrar. A capacitação contínua e a profissionalização da gestão são fundamentais para evitar esse destino.
O terceiro pilar é a união de propósito. Para que um empreendimento familiar se mantenha coeso, os membros da família empresária precisam estar alinhados em relação ao futuro. Não basta apenas manter boas relações — é preciso um entendimento comum sobre por que a família continua junta, quais são seus objetivos de longo prazo e como pretende alcançá-los. Sem essa identidade coletiva, os interesses individuais podem gerar conflitos que enfraquecem a empresa. Se cada um puxar para um lado, a empresa perde o rumo e a união se desfaz.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
A chamada “regra das três gerações” evidencia como a complexidade dos sistemas familiares aumenta ao longo das gerações. Isso pode ser visto também na evolução dos papéis dentro do empreendimento familiar, segundo o modelo dos três círculos, de John Davis, uma das maiores autoridades mundiais em empresas familiares, fundador do Cambridge Family Enterprise Group, professor da MIT Sloan School of Management. Na primeira fase da empresa familiar, a mesma pessoa concentra os papeis de acionista, gestor e chefe da família. Então, deste ponto de vista a complexidade é menor, as decisões são todas tomadas pela mesma pessoa. A medida que as gerações passam, estes “círculos” se distanciam, e passamos a ter diferentes pessoas com papéis diferentes e, portanto, muitos interesses às vezes conflitantes. Podemos ter familiares que são acionistas e gestores, mas também familiares que não são gestores, acionistas que não são familiares e assim por diante. Os papeis se sobrepõem e o alinhamento sobre temas estratégicos fica cada vez mais complicado.
Diante desse cenário, a governança familiar se torna indispensável. No entanto, é essencial compreender que ela não deve ser implementada apenas como uma formalidade. Governança não é o objetivo final, mas, sim, o meio para garantir que o empreendimento familiar siga se desenvolvendo nos 3 pilares fundamentais: crescimento dos ativos, desenvolvimento de talentos e união de propósito. Ter um conselho bem estruturado, processos claros e um bom planejamento de sucessão são medidas que contribuem para a longevidade.
Além da empresa principal, muitas famílias empresárias acumulam outros ativos, como investimentos financeiros, imóveis e iniciativas sociais. Essa diversificação pode ser positiva, mas também traz desafios. Uma família empresária bem-sucedida não é dona apenas de um negócio, mas de um ecossistema de ativos que precisa ser gerenciado com inteligência. Manter essa estrutura organizada exige planejamento estratégico e um modelo de governança que leve em conta a complexidade do patrimônio familiar.
No final, a verdadeira questão não é apenas se o empreendimento familiar vai chegar à terceira geração, mas se ela será capaz de seguir adiante por muitas outras. O sucesso de longo prazo depende da capacidade de adaptação, do investimento em talentos e da construção de um propósito sólido que una os membros da família em torno de um legado duradouro. Como sempre reforçamos: o desafio não é só manter o que foi construído, mas garantir que ele se transforme e continue relevante para as próximas gerações.
Ouça a rádio de Minas