Litigância predatória: uma análise econômica do Direito

O sistema financeiro brasileiro enfrenta uma crescente e sofisticada onda de judicialização. Com a ampliação do acesso à justiça, gerou-se um ambiente propício para o aumento do número de ações envolvendo diversos segmentos de mercado, em especial, as instituições bancárias. No entanto, esse fenômeno não se limita à judicialização legítima de conflitos oriundos de falhas na prestação de serviços, em paralelo, tem crescido uma prática sistemática e oportunista: a litigância predatória, caracterizada pelo ajuizamento massivo de ações com frágil ou inexistente aderência ao mérito jurídico. São frequentemente calcadas em teses padronizadas, apresentam documentação precária e têm como objetivo não a obtenção de uma sentença justa, mas transformar o Poder Judiciário em um instrumento de barganha, além de converter o processo em um mecanismo de geração de receita baseada em risco jurídico artificializado.
Com base neste cenário, o que se propõe é uma análise sob o prisma da Análise Econômica do Direito (AED), campo teórico que aplica os princípios da economia para aperfeiçoar o funcionamento das instituições jurídicas, estabelecendo, em um de seus campos, uma interseção entre os incentivos e o comportamento humano.
A estrutura processual brasileira foi desenhada para democratizar o acesso à justiça. No entanto, certas características do sistema, como a gratuidade irrestrita, a ausência de condenação em honorários em caso de improcedência e a informalidade na instrução, criam incentivos econômicos para o ingresso massivo de demandas frágeis.
Entre 2022 e maio de 2023, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), vinculado à Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, recebeu 735 comunicações referentes a práticas de litigância predatória em processos em tramitação no estado. De acordo com estimativas, esse tipo de conduta está associado à movimentação de aproximadamente 300 mil a de até 600 mil ações judiciais, representando um custo anual superior a R$ 1 bilhão apenas para o Poder Judiciário paulista.
A Análise Econômica propõe que o Direito seja avaliado também sob critérios de eficiência e incentivos. Nesse contexto, algumas medidas estruturais podem redesenhar o ecossistema atual de litígios, tais como a revisão normativa do sistema dos juizados especiais, com maior rigor na concessão da gratuidade de justiça e o uso da tecnologia e o cruzamento de dados, aprimorando a aplicação da inteligência artificial para classificar teses frágeis e prevenir o ajuizamento em série. Também é necessária a instituição de políticas públicas coordenadas entre entidades do judiciário e instituições financeiras para a construção de um contencioso mais racional e equilibrado.
O combate a essa prática exige mais do que repressão pontual. É necessário revisar o modelo atual de acesso à justiça, redefinir incentivos e reequilibrar o custo-benefício da litigância, restaurando, em última instância, o Judiciário como um bem público confiável, eficiente e comprometido com o interesse coletivo, e não como instrumento de oportunismo.
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