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Mariana, Brumadinho e a mineração desenfreada: até quando?

Mesmo após 272 mortes em Brumadinho e 19 em Mariana, continuamos perigosamente próximos de repetir essa catástrofe
Mariana, Brumadinho e a mineração desenfreada: até quando?
Foto: Reuters/Ricardo Moraes

Em Minas Gerais, terra de montanhas, rios e cidades históricas, dois rompimentos de barragem de rejeito de minério de ferro se tornaram feridas abertas que insistem em não cicatrizar. Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, não foram acidentes. Foram tragédias ambientais e sociais anunciadas, resultado de décadas de negligência, impunidade e da submissão ao poder econômico das mineradoras. O mais alarmante é constatar que, mesmo após 272 mortes em Brumadinho e 19 em Mariana, continuamos perigosamente próximos de repetir essa catástrofe.

Entre o rompimento da barragem de Fundão e o da Mina Córrego do Feijão passaram-se quase quatro anos. Tempo suficiente para aprender com os próprios erros e para demonstrar a capacidade de transformar palavras em ações efetivas. Brumadinho poderia e deveria ter sido evitada se as consequências de Mariana tivessem sido levadas a sério. Mariana foi a sirene de Brumadinho que não foi ouvida. A repetição da tragédia não é obra do acaso: é fruto da complacência institucional, da recusa das mineradoras em assumir suas responsabilidades, da ausência de fiscalização e da morosidade da Justiça.

Em Mariana, dez anos depois, a dor permanece. Para os moradores de Bento Rodrigues foi entregue uma cidade artificial completamente descaracterizada de suas tradições e modos de vida. O solo e a água, contaminados pelo rejeito tóxico, continuam comprometendo a saúde e a subsistência de quem ficou. No Brasil, os processos criminais fracassaram em apontar os culpados, o que obrigou os atingidos a buscar justiça fora: em Londres, 620 mil pessoas lutam por mais de R$ 260 bilhões em indenizações num processo que avança a passos lentos. Segundo a agência de notícias francesa AFP, o líder indígena Marcelo Krenak, ao denunciar, em audiência, a poluição persistente no Rio Doce e seu entorno, escancara o abandono a que as comunidades foram relegadas.

Brumadinho, por sua vez, segue adoecendo seus moradores. Um estudo da USP revelou que os atendimentos por problemas de saúde mental mais que dobraram após o desastre. Casos de uso de substâncias psicoativas cresceram. A dor invisível, aquela que corrói por dentro, se alastra numa cidade que ainda busca entender como retomar sua vida. Além disso, a reparação econômica patina. Moradores relatam a dificuldade de manter o básico, como alimentação, água e internet, e denunciam o iminente fim do Programa de Transferência de Renda, crucial para quem perdeu suas fontes de sustento junto ao Rio Paraopeba.

Enquanto isso, acordos bilionários — ditos “reparação” — são elaborados entre autoridades públicas e mineradoras em gabinetes sem passar por audiências públicas e escuta das populações atingidas. E o perigo continua assombrando o estado. De acordo com o Grupo de Pesquisa e Extensão Educação, Mineração e Território (EduMiTe), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Minas concentra o maior número de barragens de mineração no país: 333 estruturas, sendo 45 em situação de risco. Duas delas em Nível de Emergência 3 (quando o rompimento é inevitável ou está ocorrendo). Uma delas, a Forquilha III, na divisa entre Ouro Preto e Itabirito, teve o prazo de descaracterização estendido até 2035, mesmo sendo de risco máximo. A desculpa? Inviabilidade técnica. Ora, se é inviável desativar uma barragem com risco iminente de colapso, é porque já se rompeu qualquer compromisso com a vida humana e o meio ambiente.

A descaracterização de barragens a montante, método condenado pela Lei 14.066/2020, se arrasta a cada ano. Dos prazos iniciais prorrogados às promessas não cumpridas, as mineradoras seguem ditando o compasso. O resultado é que das 54 barragens a montante em Minas, apenas 21 foram desativadas (mas não necessariamente descaracterizadas) até maio de 2025. As outras 33 seguem ali, ameaçando cidades inteiras.

É preciso romper com a dependência da mineração. A proposta da deputada federal Duda Salabert (PDT) de criar o Fundo de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Sustentável para municípios afetados pela mineração (PL 4200/24) é um sopro de esperança. A deputada aponta o caso de Congonhas, onde escolas e creches já foram fechadas por estarem em zonas de risco e onde cerca de 70% da arrecadação depende da mineração, como exemplo extremo dessa vulnerabilidade econômica e social. Fomentar o turismo em áreas que são belíssimas, com a famosa gastronomia, o rico artesanato e outras atividades econômicas nessas cidades não deve ser visto como uma alternativa, mas como estratégia de sobrevivência e, principalmente, de independência.

É imperativo manter viva a pauta dessas tragédias na imprensa, na sociedade e nos espaços de decisão política, principalmente com a aprovação, pelo congresso, do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como o PL da Devastação e a possibilidade de rompimento de mais uma barragem em Brumadinho. O silêncio e o esquecimento são cúmplices da impunidade. Cada reportagem, cada audiência pública, cada mobilização popular é um ato de resistência e memória. Não podemos normalizar tragédias anunciadas. Não podemos aceitar que, em pleno 2025, Minas continue refém do minério finito e das mineradoras que operam sem compromisso ético.

Brumadinho e Mariana não podem virar estatística. Não podem ser apenas nomes marcados em placas de memória. São vidas interrompidas, territórios devastados e comunidades inteiras em luto contínuo. Enquanto não houver justiça plena, reparação real e transformação estrutural, seguiremos caminhando sobre barragens instáveis e promessas vazias. E a pergunta seguirá ecoando: até quando?

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