Mercado imobiliário pós-IA: seu trabalho não acabou, ele apenas foi redefinido

O setor imobiliário está passando por uma mudança incontornável. A inteligência artificial (IA), antes vista como promessa, já se consolidou como parte da rotina de compra, venda e gestão de imóveis. Dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) mostram que 19% das empresas já utilizam ferramentas de IA em seus processos, e a expectativa é que esse índice dobre até o final de 2025. Entre as empresas que já implementaram, 71% relatam impacto positivo, e 86% afirmam que a tecnologia melhora a eficiência e a precisão das transações imobiliárias. Globalmente, o mercado de soluções de IA aplicadas ao setor deve saltar de US$ 356 milhões, em 2023, para mais de US$ 1 bilhão até 2033, segundo a consultoria Drees & Sommer.
Então, o que será das profissões? Afinal, corretores de imóveis, analistas de contratos, gestores de condomínios e outros profissionais estão vendo muitas de suas tarefas serem automatizadas. Hoje, assistentes virtuais respondem dúvidas, realizam triagens de clientes e até conduzem parte das negociações. Uma incorporadora já relatou um resultado concreto: 13% das vendas já vêm da recuperação de leads feita pelo robô. Além disso, o índice de satisfação dos clientes cresceu 5 pontos quando a empresa passou as tarefas mais mecânicas, como a emissão de boletos, para o robô.
Nesse estágio, profissões como atendentes de imobiliárias já estão sendo profundamente remodeladas. É possível dizer que as tarefas repetitivas e operacionais caminham para uma total substituição. Mas o serviço de relacionamento humano, para o qual a empatia e a percepção de nuances são essenciais, continuará existindo. Será que uma IA seria capaz de resolver um conflito com o cliente? A compreensão da diferença entre atendimento e relacionamento é o que definirá as atividades da máquina e da pessoa.
Quanto aos corretores, uma pesquisa da ABRAINC aponta que apenas 10% dos executivos acreditam que a IA possa eliminar completamente a função. A tendência é de transformação, com corretores atuando mais como consultores. Com acesso a tecnologias como análise preditiva de preços e visitas virtuais imersivas, os corretores passam a contar com dados refinados para orientar seus clientes e anulam as barreiras geográficas, inclusive ganhando escala no atendimento.
Para o pavor de muitos advogados, a revisão automática de documentos, feita por IA, já identifica cláusulas de risco e inconsistências jurídicas. Porém, nesse quesito, a supervisão humana continua imprescindível. Mesmo que a máquina entregue análises inteiras de documentos e contratos, o profissional deve fazer uma revisão integral de todo o conteúdo para garantir que não haja nenhum erro jurídico. O assunto é sério: há um caso que foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo uso de IA em uma petição sem nenhuma revisão humana.
Por tudo isso, vejo que o papel humano não desaparecerá, mas será deslocado para atividades de maior valor agregado. Não basta ter a máquina mais avançada, é preciso interpretar e usar os dados que ela gera, como recentemente fez uma startup que ajuda incorporadoras a vender imóveis por meio de uma atendente IA. Ao coletar uma série de áudios recebidos pela atendente, de pessoas dizendo que não sabiam ler, a startup criou um módulo de atendimento por voz. Agora, pessoas de classes econômicas mais baixas e sem estudo podem entender como financiar a casa própria. Para mim, esse caso mostra o valor da capacidade de interpretar cenários e transformar dados frios em soluções humanas.
Essa capacidade de transformar dados frios em soluções humanas é o que define o futuro do trabalho. Foi exatamente esse princípio que aplicamos na uCondo. Ao analisarmos os dados do nosso Censo Condominial Brasil 2024/2025, não vimos apenas estatísticas; vimos a raiz dos problemas de convivência. As reclamações mais frequentes dos moradores têm relação direta com barulho excessivo dos vizinhos, seja por som alto, festas, gritos, uso de instrumentos musicais ou barulho de animais de estimação. E que, depois do barulho, as reclamações mais recorrentes se referem a uso inadequado das áreas comuns, comportamento dos pets e ocupação incorreta de vagas de garagem.
Ao mesmo tempo, uma busca rápida por notícias mostrava que desentendimentos entre vizinhos são recorrentes no país, e, em alguns casos, a situação escalona para agressões físicas. Infelizmente, o que começa como um incômodo pode virar uma briga séria e se tornar um problema de segurança. Como sabemos que muitos desses conflitos poderiam ser evitados com diálogo, regras claras e uma boa gestão condominial, direcionamos nossa assistente IA, a Móra, para orientar síndicos e moradores, enquanto nossa plataforma já tinha as ferramentas necessárias para lidar com situações de conflito.
A assistente IA foi treinada para responder aos mais diversos problemas condominiais, 24 horas por dia, via WhatsApp. Ela responde com base na Lei dos Condomínios (Lei nº 4.591/64), nas legislações correlatas e no regulamento interno do condomínio, bastando enviar o documento do estatuto do condomínio apenas uma vez, e as respostas passam a ser personalizadas. É importante ressaltar que a treinamos para compreender o contexto social das perguntas, como o envolvimento em discussões e brigas, e dar respostas pacíficas e de acordo com as leis.
Aqui, o papel do síndico é imprescindível: além de mandar o regulamento interno do condomínio para a IA, ele deve centralizar o recebimento de reclamações dos moradores, o que pode ser feito por mensagem privada dentro da plataforma. Ele pode automatizar uma série de comunicados gerais sobre respeito às regras internas e consequências da sua quebra (assim como o envio de boletos, mensagens de cobrança de contas atrasadas e outras atividades e situações do dia a dia), tirando o caráter pessoal dos comunicados e evitando o confronto direto com os moradores e entre moradores. Veja, mais uma vez o ser humano é essencial, mas a tecnologia muda a dinâmica da sua função.
Se há algo claro para mim é que a IA vai redesenhar o trabalho no mercado imobiliário, e isso não significa a exclusão de pessoas. As profissões vão se reconfigurar e o valor humano passará a estar mais na interpretação de dados, apontando para diferentes carreiras que surgirão no setor.
Portanto, a pergunta para cada profissional não deve ser ‘se’ a IA vai impactar sua carreira, mas ‘como’ ele irá utilizá-la para se tornar indispensável. A verdadeira oportunidade não está em aprender a operar a máquina, mas em dominar a arte de interpretar seus resultados para resolver problemas genuinamente humanos. O futuro não é do robô, mas do profissional que sabe o que perguntar a ele.
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