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O modelo societário dos escritórios de advocacia no Brasil

País ainda trata a sociedade de advogados como uma ilha isolada
O modelo societário dos escritórios de advocacia no Brasil
Foto: Reprodução Adobe Stock

Enquanto Inglaterra e parte dos Estados Unidos já testam modelos societários mais abertos — com capital externo e governança profissional — o Brasil ainda trata a sociedade de advogados como uma ilha isolada, ancorada em um estatuto concebido para o século XX. O resultado é previsível: menos investimento, menos escala, menos inovação. A consequência prática é que escritórios brasileiros financiam seu crescimento apenas com capital próprio e dívida bancária, enquanto concorrentes estrangeiros ampliam seu leque de funding e atraem gestores e especialistas de diversas áreas, com ganhos de eficiência e competitividade.

Esse engessamento contrasta com a realidade de outras profissões no próprio Brasil. O Conselho Federal de Contabilidade, por exemplo, já admite a figura de sócios não contadores, desde que não detenham o controle da sociedade. O modelo mantém o domínio técnico nas mãos dos contadores, mas abre espaço para capital e conhecimento de áreas correlatas, promovendo a profissionalização da gestão e a integração multidisciplinar. Em outras palavras: outra profissão liberal já encontrou equilíbrio entre preservação da técnica e abertura societária. A advocacia, por sua vez, continua imobilizada por uma concepção antiquada de exclusividade.

No cenário internacional, a experiência inglesa é exemplar. A Legal Services Act de 2007 criou as chamadas Alternative Business Structures (ABS), permitindo que não advogados participem da propriedade e da gestão de sociedades jurídicas. Essa inovação regulatória abriu espaço para a entrada de capital, para IPOs de bancas na bolsa de valores e para a consolidação de práticas modernas de governança, compliance e accountability. Exemplos como Gateley, Keystone Law e DWF Group demonstram que é possível abrir o mercado jurídico sem comprometer a independência profissional, desde que haja regulação firme e mecanismos de responsabilização.

Nos Estados Unidos, a regra ainda é a proibição da participação de não advogados, consagrada na Model Rule 5.4 da American Bar Association. Contudo, exceções começam a se firmar: Arizona e Utah, por meio de estruturas de sandbox regulatório, e Washington, D.C., com a permissão limitada de sócios não-advogados. O movimento é cauteloso, mas aponta uma tendência de adaptação inevitável diante das pressões por inovação e eficiência.

No Brasil, começa a surgir uma alternativa com o Projeto de Lei 3.825/2023, que altera o Estatuto da Advocacia para permitir que bacharéis e outros profissionais de nível superior integrem sociedades de advogados, desde que exerçam atividades correlatas. O texto preserva a exigência de maioria de advogados no capital social, impede que não advogados administrem as sociedades e restringe a prestação de serviços estranhos à advocacia. É, portanto, um passo inicial, mas relevante, rumo a um modelo mais racional e contemporâneo.

Os que se opõem à mudança costumam invocar o risco da chamada ‘mercantilização’ da advocacia. O argumento, entretanto, ignora que há salvaguardas possíveis e eficazes: o controle técnico inegociável pelos advogados, mecanismos de compliance robustos, regras claras contra conflitos de interesse e limites bem definidos à atuação dos sócios não-advogados. A experiência internacional demonstra que o segredo está na regulação inteligente, não na proibição absoluta.

Abrir o modelo societário é, em última análise, uma questão de competitividade e de interesse público. A advocacia precisa de mais investimento em tecnologia, inteligência de dados e inovação de processos para entregar serviços mais eficientes, acessíveis e escaláveis. Clientes exigem previsibilidade, transparência e soluções que combinem direito, negócios e tecnologia. O Estado brasileiro precisa de escritórios mais fortes e preparados para competir globalmente, em vez de profissionais amarrados a uma estrutura anacrônica.

Manter o modelo atual equivale a insistir em correr uma maratona de gravata borboleta e sapato social: elegante, talvez; competitivo, de forma alguma. O PL 3.825/23 oferece um primeiro passo, uma primeira oportunidade de modernização da advocacia brasileira, preservando sua independência e seus valores essenciais, mas permitindo que ela se adapte às exigências do século XXI. Capital, governança e multidisciplinaridade já são o novo idioma do mercado jurídico. Cabe ao Brasil decidir se continuará falando um dialeto ultrapassado ou se terá coragem de atualizar seu dicionário.

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