Muita euforia, pouca entrega: a promessa da IA no mercado imobiliário

Na última vez que estive em Curitiba, o frio me empurrou para dentro de uma cafeteria onde, entre um café e outro, acabei numa conversa daquelas que valem a viagem. Era véspera de um evento de tecnologia e o Ricardo Paixão, fundador e CEO da iConatus, me lançou uma pergunta que ficou ecoando: “Em que ponto da curva de adoção da Gartner você acha que estão as aplicações de Inteligência Artificial no mercado imobiliário?”
Para quem não está familiarizado, a tal curva (ou Hype Cycle) é uma espécie de gráfico do entusiasmo coletivo: mostra como as novas tecnologias nascem cercadas de euforia, enfrentam uma fase de desilusão e, só depois, amadurecem e entregam valor real. Sem pensar muito, respondi: “Estamos no pico das expectativas infladas.” E é aí que mora o problema.
De uns meses pra cá, brotaram soluções de IA para o mercado imobiliário por todo lado. Tem aplicativo prometendo fazer tour virtual com chat inteligente, plataforma que afirma responder qualquer dúvida sobre imóveis e até o primo do seu vizinho virou especialista em IA, vendendo agentes inteligentes direto do quintal de casa. Todo mundo entrou na “corrida do ouro”. Mas a tecnologia, claro, não é tão dócil quanto parece.
O que começa com empolgação vira frustração quando se percebe que esses sistemas alucinam, erram ou simplesmente não entregam o que prometem. Casos recentes em outros setores já servem de aviso. A linha aérea Air Canada, por exemplo, foi obrigada a cumprir um reembolso criado por seu chatbot, que inventou uma política inexistente. E a Klarna, fintech sueca, demitiu 700 atendentes humanos para substituí-los por IA, só para admitir dois anos depois que a qualidade despencou e começar a recontratar pessoas.
No mercado imobiliário, o risco é parecido, só que mais silencioso. Clientes mal atendidos, informações imprecisas e processos enviesados podem não gerar manchetes, mas corroem a confiança na empresa. Além disso, a maioria das incorporadoras não tem estrutura técnica para lidar com a engenharia de prompts ou com a gestão de múltiplos modelos de linguagem. É difícil, e caro, acertar a mão.
Há poucas startups no Brasil que estão acertando justamente nos pontos onde o setor tropeça. Ao invés de depender do preenchimento manual de fichas técnicas (tarefa sem valor monetário para captadores e corretores, que ganham pela venda e não pela descrição dos imóveis), já existem soluções em que a IA varre portais, sites e bases online, organizando as informações e preenchendo as lacunas das fichas. É um tipo de solução mais realista, porque entende as limitações operacionais do setor.
Outro acerto de algumas startups é construir uma estrutura flexível, capaz de alternar entre diferentes modelos de IA, de acordo com o tipo de conversa, idioma ou carga de dados. Alguns se destacam na interpretação de linguagem mais coloquial ou regional, por exemplo, e insistir em uma solução única costuma custar caro, seja em performance ou em credibilidade.
No fim das contas, a IA não é uma solução de negócio para qualquer empresa. Mas se for bem aplicada, sem exageros e promessas messiânicas, pode, sim, ser um bom serviço ou produto e abocanhar sua fatia do mercado.
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