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Qualidade da gestão pública depende do desenvolvimento do servidor público

Qualidade da gestão pública depende do desenvolvimento do servidor público
Crédito: Reprodução Freepik

O Dia do Servidor Público, celebrado em 28 de outubro, é uma oportunidade para que possamos refletir sobre o quanto a gestão pública pode contribuir para o desenvolvimento dos estados e a promoção de bem-estar para as populações. Um ponto importante nessa discussão é que o desenvolvimento dos países e estados não acontece de forma espontânea, principalmente se considerarmos como desenvolvimento algo além da geração de riquezas. Quando consideramos outros aspectos, principalmente em relação a um desenvolvimento que seja sustentável ao longo do tempo, aspectos como coesão social, comunicação, infraestrutura, educação e qualidade ambiental ganham relevância.

Contudo, para se alcançar esse desenvolvimento mais abrangente, é necessário que as nações e estados desenvolvam instituições de qualidade, um sistema de gestão pública e um mercado que garanta as condições necessárias ao desenvolvimento. Pensar que apenas o mercado dará conta de produzir e democratizar os ganhos necessários para que esse desenvolvimento mais abrangente aconteça é algo não factível.

Discussões acadêmicas e de políticas públicas sobre desenvolvimento frequentemente evocam o papel chave das instituições na sua promoção. (Rodrik, Subramanian, &Trebbi, 2004; Acemoglu& Robinson, 2008; 2012; North, Wallis, &Weingast, 2009) Mas não é tarefa fácil medir qualidades e capacidades institucionais e relacioná-las ao desenvolvimento.

O desafio da mensuração é, inicialmente, um desafio conceitual (o que é capacidade institucional e desenvolvimento); mas também informacional (da disponibilidade dos dados em relação a objetos tais como países, entes subnacionais, organizações, etc.) e metodológico (das possibilidades de coleta de dados primários e da qualidade e aproveitamento dos dados secundários existentes).

Um ponto interessante é que não existem países desenvolvidos com baixa qualidade em suas instituições e em sua gestão pública. Essa constatação veio de estudo desenvolvido pelos professores Humberto Falcão Martins e Ettore Oriol da Fundação Dom Cabral que construíram um Indice de Capacidades Institucionais que procura mensurar os aspectos da Qualidade das Instituições, da Gestão Pública e da Qualidada de do Ambiente de Negócios em 147 países. Esse índice parte de uma análise de mais de 1.500 indicadores existentes, primeiro fazendo um matching entre os indicadores e os aspectos que uma vasta literatura nos campos da economia, ciência política e gestão pública apontam como os mais relevantes para se mensurar a qualidade das instituições, a gestão pública e o ambiente de negócios.

Após essa etapa, os indicadores foram submetidos a uma série de testes estatísticos que resultaram em um modelo de causalidade com 137 indicadores que revela o efeito da qualidade das instituições e da gestão pública sobre o desenvolvimento.

Partindo do modelo, foi desenvolvido o Indice de Capacidades Institucionais – ICI que mensura a Capacidade que um estado tem de promover o seu desenvolvimento. Essa afirmação está ancorada no achado em que o ICI explica cerca de 78% do Desenvolvimento de uma nação. Essa alta taxa de explicação garante que uma ação dos governos melhorando suas Instituições e ou sua Gestão Pública, terão impacto direto em seu nível de desenvolvimento.

Assim, o ICI pode ser usado como uma ferramenta de diagnóstico e de comparação entre as nações (de múltiplas formas que forem consideradas cabíveis), e é dessa forma que ele é apresentado na sequência, apontando para a posição em que o Brasil ocupa frente a grupos de nações.

No que se refere ao desenvolvimento/bem-estar, o Brasil (score 0,534) encontra-se ligeiramente acima dos países de sua categoria econômica (média-alta renda, com score 0,526) e da média da América Latina (scores 0,502); bem abaixo dos países de renda alta e OCDE (scores 0,735 e 0,744 respectivamente); e inferior à média dos países da OCDE da América Latina (Costa Rica, Chile, Colômbia, México e Uruguai), com score 0,573.Tomando-se o Brasil per se, nota-se que o pior score em termos de desenvolvimento é a conectividade.

Este mesmo padrão se repete para os demais componentes, inclusive para o índice de capacidades institucionais. O score de qualidade Institucional do Brasil, 0,449, é igual à média dos países de média-alta renda (0,449) e acima da média dos países AL (0,417); bem abaixo dos países renda alta (0,723) e OCDE (0,718); e abaixo dos países OCDE da América Latina (0,557).

Dentre os componentes do modelo, qualidade das instituições obteve o segundo menor score, o que sugere uma atenuação dos efeitos da qualidade da gestão pública (um mau aproveitamento dos sistemas de gestão) quanto no sentido de degradação de condições de melhoria da gestão (tal como, por exemplo, a partir de certos padrões de governos decoalizão). Dentro deste componente de qualidade institucional o pior score foi segurança pública e controle da corrupção.

O score de qualidade da gestão pública do Brasil, 0,616, é ligeiramente acima dos países de média-alta renda (0,576) e AL (0,533); bem abaixo dos países renda alta (0,758) e OCDE (0,777); e abaixo dos países OCDE da América Latina (0,665). Neste componente da qualidade da gestão pública, funcionamento dos governos obteve a pior pontuação. Comparando o indicador do Brasil de Operação do Governo, que envolve a efetividade das ações governamentais e a forma como esse governo se organiza, com os demais agrupamentos de países, verifica-se que seu score (0.425) está abaixo de países de renda média alta (score, 0.437), renda alta (0.709), países OCDE (0.734) e países OCDE América Latina (0.584).

Em todos os quesitos piores pontuados, o Brasil também se situa como pior em comparação aos países de média-alta renda, da América Latina, de renda alta e OCDE e OCDE da América Latina. Nestes casos, excetuando-se os países de média-baixa e baixa renda, o Brasil figura como o pior em relação à média encontrada nesses agrupamentos.

Com isso, o índice de capacidades Institucionais do Brasil, 0,484, ficou ligeiramente acima dos países de média-alta renda (0,454) e AL (0,417); bem abaixo dos países renda alta (0,659) e OCDE (0,672); e abaixo dos países OCDE da América Latina (0,520). Do ponto de vista dos recursos, o Brasil tem receita em relação ao PIB compatível com países de renda média alta (35% do PIB para o Brasil e 37% do PIB em média para países de renda média). Por um lado, isto está abaixodo nível dos países da OCDE (média de 42% do PIB) e de alta renda (média de 43% do PIB). Mas por outro lado, a receita per capita de (US$ 9.133) está 17,7% acima da média dos países de renda média alta (US$ 7.760). Os gastos do governo, em média, seguem essas proporções, com gastos per capita em PPP da ordem de US$ 10.069, cerca de 20% acima da média de US$ 8.359 para países de renda média-alta. Por outro lado, os investimentos são significativamente menores, da ordem de 1,67% do PIB no Brasil contra 2,86% na média dos países de renda média-alta. Essas poucas evidências indicam que, em comparação com países de renda média alta, o Brasil gasta mais e relativamente pior,inclusive dado o baixo nível de investimentos, para gerar um nível de bem-estar equivalente.

Todos esses achados corroboram teorias como as que apontam a armadilha da renda média, em que países em desenvolvimento ao atingirem certo grau de desenvolvimento acabam estagnado e permanecendo nesse patamar por longo período. Essa armadilha aparece de forma muito clara e estão associadasa questões de Qualidade Institucional e da gestão pública como apontam as análises.

Os dados de comparação do Brasil com os demais agrupamentos apontam para a necessidade de uma substancial melhoria nos arranjos de governança pública, aí incluídas as organizações estatais. Isto é uma responsabilidade de políticos, formuladores de políticas públicas, mas também dos servidores públicos em geral e dos cidadãos.

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