Trump, soberania e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

As primeiras ações anunciadas pelo presidente Donald Trump após sua posse colocam o cenário dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da Agenda 2030 em estado de alerta.
Para desdobrar o assunto, o Movimento Minas 2032 convidou Dorival Guimarães Pereira Júnior, professor de Direito Internacional e coordenador do curso de Direito da Faculdade SKEMA que comentará a seguir como a política estadunidense vai interferir nos caminhos da a Nova Economia. Leia no artigo:
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015, é considerada um marco da cooperação internacional para a promoção dos direitos humanos e sustentabilidade ambiental. O plano descreve 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, com a finalidade de erradicar a pobreza, combater as desigualdades e enfrentar as mudanças climáticas, num horizonte temporal que se estende até 2030.
A gênese da Agenda 2030 está relacionada a acordos internacionais anteriores, notadamente a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro e que resultou na Agenda 21, um plano de ação para o desenvolvimento sustentável. Posteriormente, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000, ofereceram um modelo preliminar de cooperação multilateral, apesar das críticas quanto à abordagem fragmentada. Foi na Conferência Rio+20, em 2012, que os Estados-membros decidiram por um quadro mais abrangente, culminando na aprovação dos ODS em 2015.
Países europeus desempenharam um papel de destaque na negociação e adoção da Agenda 2030, defendendo a incorporação de metas ambiciosas relacionadas à transição energética e à justiça social. A França, em particular, destacou-se como promotora do Acordo de Paris, que está intrinsecamente alinhado aos objetivos climáticos da Agenda 2030. O Brasil, como anfitrião de conferências históricas como a Eco-92 e a Rio+20, consolidou-se como um dos principais atores do Sul Global neste contexto. Os EUA, sob administrações anteriores, também tiveram papel relevante no financiamento de iniciativas multilaterais para o cumprimento dos ODS.
A retirada dos EUA do Acordo de Paris, logo no dia da posse de Trump, trouxe preocupações quanto às repercussões no cumprimento das metas da Agenda 2030. Acompanhada de declarações de incentivo à produção de petróleo e da indústria de veículos movidos a combustíveis fósseis, a medida, na verdade, já era esperada, já que fora anunciada em outras ocasiões durante a sua campanha presidencial.
Inclusive, a denúncia do Acordo de Paris (expressão do Direito Internacional para designar o ato unilateral pelo qual um Estado retira-se de um tratado internacional) já havia acontecido no primeiro mandato de Trump, em 2017, e sob os mesmos argumentos (preocupações sobre a perda de empregos na indústria de combustíveis fósseis e o impacto negativo para a indústria norte-americana). Como no primeiro mandato, a recente decisão deve vir acompanhada pela expansão de subsídios às indústrias e pela reversão de regulações ambientais em nível federal.
Apesar de, na prática, os EUA não terem jamais se apresentado como liderança global no enfrentamento das mudanças climáticas, o governo Biden, além da retomada do Acordo de Paris, implementou uma série de medidas concretas para alinhar o país à Agenda 2030. No âmbito internacional, a administração reforçou o compromisso com a cooperação climática, com iniciativas como o “Net Zero World Initiative”, que busca apoiar países na transição para economias de baixo carbono.
Uma das preocupações de parte da comunidade internacional é de que o rompimento dos compromissos do Acordo de Paris poderia encorajar outros países a políticas semelhantes, gerando um efeito dominó e comprometendo o cumprimento das metas globais de emissões de carbono, ou buscando forçar novos prazos ou metas globais menos ambiciosas.
Por outro lado, a resistência das administrações locais e estaduais governadas por democratas, juntamente com a pressão de alguns segmentos do setor privado e da sociedade civil norte-americana, pode estender os debates sobre o tema, inclusive levando à judicialização das políticas federais.
Para o Brasil, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris pode se refletir em dificuldades adicionais na captação de investimentos internacionais para projetos de energia limpa. Um espaço maior se abre para a influência da China, que já lidera setores de produção de painéis solares e baterias de veículos elétricos, por exemplo.
Primado do Direito Internacional Público, a soberania estatal confere aos Estados o direito de celebrar ou denunciar os tratados. A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, ilustra, portanto, esse direito soberano. Contudo, temas como desenvolvimento sustentável e meio ambiente são pautas consideradas de envolvimento e responsabilidade globais, e a retirada dos EUA compromete a cooperação multilateral em temas relevantes.
O cumprimento das metas estabelecidas pela Agenda 2030, com ou sem a participação dos EUA, permanece um desafio.
No caso do Brasil, a realização da COP30 em Belém, reforça o papel do país como protagonista no debate climático global. Minas Gerais, com seu potencial para energias renováveis, representa uma oportunidade estratégica para o cumprimento das metas climáticas no Brasil. Contudo, a eficácia dessas iniciativas dependerá do fortalecimento das políticas públicas e da atração de investimentos internacionais, e para isso o País também precisa se firmar como economia confiável à atração de investimentos estrangeiros.
Embora a saída dos EUA possa representar um obstáculo à Agenda 2030, a mobilização internacional e a pressão de atores estatais e não estatais pela continuidade dos esforços globais devem continuar. A concretização dos ODS requererá um compromisso renovado com o multilateralismo, mas que deve ser sempre visto sob a ótica da igualdade social e do direito soberano dos Estados, principalmente em desenvolvimento, de alcançarem seu progresso econômico.
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