EDITORIAL | As cartas do oportunismo

O presidente da República, como indivíduo, tem todo direito de fazer suas escolhas, de religião por exemplo. O que ele definitivamente não pode, num Estado laico, é confundir suas preferências com a orientação de políticas públicas, sobretudo tais escolhas parecem atender a interesses que estão em outra órbita, em que votos vêm antes de convicções, tudo faz crer. Reincidente nesta orientação, em que prometeu – e escolheu – para vaga no Supremo Tribunal Federal um ministro “tremendamente evangélico”, condição que passa distante do “reconhecido saber jurídico”, que é o primeiro predicado para o cargo, onde decisões, reconheceu o próprio indicado, hoje já dono de uma cadeira, tem como única e absoluta referência a Constituição.
O presidente, que não chega a ser exatamente uma pessoa comedida e, muito menos, atento àquilo que o ex-presidente José Sarney propriamente chamou de “liturgia do cargo”, não disfarça sua preferência, tampouco tem o cuidado de não deixar perceber que seu verdadeiro alvo é, na bancada evangélica, pentecostais particularmente, e os votos que representam.
É mais que evidente a insensatez dessa orientação, mais uma vez explicitada em declarações a propósito da tramitação, no Congresso Nacional, de projetos de lei que poderiam liberar o jogo no Brasil, quando anunciou que eventual aprovação de mudanças nessa área será vetada por ele. Reação direta a declarações do deputado Sylas Malafaia, evangélico que criticou duramente o presidente da Câmara depois que este anunciou eventual requerimento de urgência para exame do tema, proposta que por sinal já foi engavetada.
Como se sabe, o jogo ou, especificamente, os cassinos foram proibidos no País nos anos 40 do século passado, por influência da esposa do então presidente Dutra, católica fervorosa. Quase 80 anos depois estamos na mesma situação, sem que tenham sido medidos os prejuízos decorrentes da proibição, considerando que os cassinos perderam porte, são mais discretos mas não deixaram de existir, ou que se examine, tecnicamente, os prós e os contras da nova mudança, tendo em conta por exemplo seu forte impacto na indústria do turismo e na geração de empregos.
É absolutamente escandaloso que este possa ser o padrão para tomada de decisões tão importantes, enquanto o presidente da República, sem maiores explicações, se limita a declarar que considera “um absurdo” eventual volta dos cassinos e das mesas de jogo. Absurdo verdadeiro, alguém deveria dizer a ele, é que as mesas de jogo continuem em plena atividade, mas na clandestinidade, enquanto quem pode e deseja simplesmente vai tentar sorte em países onde o jogo é legalizado.
Ouça a rádio de Minas